Há muito que se esperava o regresso de Benjamin Biolay aos discos. Aliás, já era mais um desespero do que uma espera, uma vez que não poderemos contar como verdadeiramente seu o álbum Trenet, lançado o ano passado, recolha de temas da obra do mítico cantor francês desaparecido há já quinze anos, e uma clara homenagem a um intérprete que tanto terá marcado Biolay. Desespero também, e sobretudo, porque o seu álbum anterior (Vengeance, 2012) não se revelou a obra-prima que se anunciava, mostrando-se um trabalho algo distante do esplendor de Rose Kennedy, de Négatif ou até de Home, projeto feito a par com Chiara Mastroianni, que curiosamente volta a aparecer neste recente Palermo Hollywood. Depois de quatro longos anos sem notícias discográficas (originais) do homem que herdou, em boa parte, o peso da enorme herança de Serge Gainsbourg, eis que nos chegam às mãos catorze novas canções com o cunho particular da excelência que Benjamin Biolay nos foi habituando desde o início da sua carreira. Biolay voltou, podemos bem dizer, em verdadeiro estado de graça, e por isso é bom que façam o favor de ouvir Palermo Hollywood, mergulho profundo e poético na Argentina que sempre visitou desde criança, e à qual sempre regressa quase todos os anos. O disco é, portanto, um testemunho sentido ao universo sonoro desse distante país, mas também uma declaração de amor à cidade de Buenos Aires, embora nunca esquecendo a sua morada parisiense.
Benjamin Biolay está, como vos disse, em alta! E isso, obviamente, quer dizer que é de novo seu o papel de ponta de lança da nouvelle chanson française. Com Palermo Hollywood, Biolay chegou para decidir! O imagética do disco gira em torno de um bairro de Buenos Aires (Palermo Hollywood, assim conhecido por nele haver vários canais de televisão e produtoras de filmes), aqui poeticamente registado em múltiplos momentos que vão desde os ritmos da cumbia até ao tango (sim, há traços dessa dança encantatória, mesmo que nem sempre reconhecíveis), passando por relatos de futebol (há mesmo um sample radiofónico de Victor Hugo Moralès relatando o jogo Argentina / Inglaterra de 1986, com brilharete de Maradona, pois claro) y otras cositas más. O álbum abre com a cinematográfica canção que lhe dá título, belíssimo tema que começa por revelar “le jour (que) se lève enfin sur Palermo Hollywood”, adentrando-se pela errante “Miss Miss”, tema onde os males do amor ganham força, depois por “Borges Futbol Club”, passando pela dançante e irrequieta “Palermo Queens”, aqui contando com a participação especial de Sofia Wilhelmi, conhecida atriz e escritora peruana. A letra da canção é de génio, absolutamente de génio! Ouçam-na com atenção, e perceberão a riqueza do tema, da letra, das interpretações de ambos, um cantando, a outra falando. Segue-se “La Débandade”, que é, eventualmente, a canção mais biolayanne de todas, até ao momento em que surge no álbum. É a quinta do disco, o que diz bem do ar fresco que Palermo Hollywood representa na obra do cantor e compositor francês. O disco avança através de “Ressources Humaines” (com Chiara Mastroianni), “Tendresse Année Zéro” (momento muito especial do álbum, pela delicadeza da canção tão gainsbourguiana, tão etérea, tão magistral), “Palermo Spleen”, a cumbiana “La Noche Ya No Existe”, “Palermo Soho” (de novo com Sofia Wilhelmi), dançante, a pedir rum com muito gelo e chicas guapísimas pela noite dentro. Um festim, todas estas canções, assim como as derradeiras “Pas Sommeil”, “Pas d’Ici” (a única a puxar ao rock, digamos assim), “Yokoonomatopea” (com voz robótica, estranha, delirante nos arranjos de orquestra) e “Ballade Française”, que termina com o esclarecedor verso “loin du ciel de Paris”, cimentando a ideia de que o habitual universo sonoro de Benjamin Biolay sofreu aqui um forte desvio, embora Paris e o seu adn musical não tenham desaparecido totalmente do disco. Longe disso. O encanto maior do álbum reside, quanto a mim, na amálgama de sons, ritmos, evocações e instantes oníricos que Biolay conseguiu concretizar nesta viagem entre Paris e Buenos Aires, aterrando em boa hora neste essencialíssimo momento chamado Palermo Hollywood. Um trabalho de irrepreensível bom gosto e charme!
Um dos discos do meu ano está aqui, sem margem para dúvidas!