Uma banda, não um supergrupo. Se é certo que um quarteto formado por Rachel Goswell (Slowdive, Mojave 3), Stuart Braithwaite (Mogwai), Justin Lockey (Editors) e James Lockey (irmão do último) apela a essa nomenclatura, esta é a premissa que tem de ser aceite antes de se escutar os Minor Victories. Uma tentativa de fugir às enormes expetativas que a denominação “supergrupo” acarreta, talvez. Ainda assim, essas existem, pelo legado que qualquer uma das bandas deixou, ao longo dos últimos 25 anos, ao mundo da música. A viagem dos Minor Victories começou no final de 2014 quando Justin e Goswell começaram a trocar ideias por email. Os restantes membros apareceram por “acrescento” à extensa conversa de correio eletrónico, através da qual o álbum foi tomando forma. De facto o tempo que passaram juntos a criá-lo foi perto de nulo, algo que de nenhum modo transparece no produto final – o homónimo de estreia da banda britânica é coeso e dinâmico, sem pedaços a aparecer aparentemente colocados à toa ou à parte do resto.
Voltando à questão das expetativas, Minor Victories não foge àquilo que seria de esperar da junção dos artistas em causa, mas também não vai muito além disso. Tal facto, contudo, não é necessariamente mau ou desapontante – porque temos neste álbum cada um dos indivíduos a respirar o ar dos outros, num cocktail de influências muito saudável, cujo produto é extremamente agradável. Este registo é, assim, um exercício muito bem conseguido de agregação das estéticas que são normalmente associadas aos três principais nomes do grupo: as texturas etéreas e provocadoras de êxtase presentes no shoegaze dos Slowdive encontram a imensidão imagética do som portentoso e emotivo que conhecemos ao post-rock dos Mogwai (sobretudo aquele presente nos primeiros registos da banda), sendo tudo apimentado por um negrume que paira sempre no ar, o que, tendo em conta o último álbum dos Editors, podemos atribuir quase exclusivamente a Justin Lockey.
Minor Victories abre com “Give Up the Ghost”, na qual a fortíssima e marcada batida parece quase demasiado fraca para aguentar o murro desferido pela guitarra quando esta surge do nada. Voando pelos sintetizadores sequenciados de “A Hundred Ropes”, chegamos ao primeiro ponto alto do álbum – “Breaking My Light”. Tímida ao princípio, a faixa rapidamente irrompe num remoinho de bombos, pratos e tarolas. Depois, quase como se tratasse de um mar incerto, acalma novamente para ouvirmos a voz suave e arrepiante de Rachel Goswell. Não é por muito, contudo, já que a fúria da maré (leia-se: as cordas emotivas e o maelstrom de baterias) volta a arrastar-nos para um sítio onde somos afogados pelas ondas sonoras que nos enchem os ouvidos. É nesta bela dança que a música vai pintando um quadro mental cinzento (mas muito vívido) no qual o oceano é um elemento recorrente.
Ouvindo Minor Victories com atenção, torna-se bastante notório que esta estimulação da imaginação visual através do som é algo que a banda, sem querer ou não, provoca com grande eficácia durante os minutos em que se desenrola o álbum. Não só as músicas – que parecem pequenas bandas sonoras, tal é o cuidado e o pormenor com que são compostas -, mas também as letras contribuem para este efeito quase psicadélico: num registo cujas canções suscitam inúmeras imagens e projeções mentais, a criação das letras parece ser alimentada pelas melodias, harmonias e pela ambiência geral das faixas, tal é o modo como condizem sempre com o mood geral das faixas.
Curiosamente, é nas canções que mais apelam a este sentido extramusical que temos os restantes pontos altos deste álbum. Um deles é “Folk Arp”, faixa que irrompe radiosa de um início cinzento, como se do dia mais brilhante e luminoso do ano se tratasse, para nos maravilhar com um crescendo daqueles (ou destes) e uma canção tão bela que dá arrepios. Depois, “The Thief” surge envolta num nevoeiro misterioso de motorik e caixas de música (ou pelo menos, soam a isso) ao qual se junta a voz de Rachel Goswell que, no seu canto-suspiro tão característico, lembra o vento a passar pela floresta fria e escura; de repente, uma mudança inesperada na progressão de acordes altera tudo e liberta-se, através do grito de uma guitarra que parece descer dos céus, uma tensão que nem tínhamos reparado que existia. Mais uma canção fantástica. Por fim, e logo a seguir a “The Thief”, temos o final triunfal do álbum com “Higher Hopes”, uma faixa que exemplifica perfeitamente o inverso do provérbio “depois da tempestade vem a bonança” – de uma calma aparentemente inquebrável surge, num segundo, um caos apoteótico de guitarras a rodopiar de todos os lados, com uma bateria furiosa atrás e a voz de Goswell, como um mantra, a ecoar por cima de tudo “You leave me holding on to higher hopes”. Neste apocalipse tão belo, ocorrem-nos as várias imagens que se foram criando nas nove canções que entrentanto passaram. O final perfeito para este álbum, portanto.
Fica ainda o destaque para a potente “Cogs” e para o dueto de Rachel Goswell com Mark Kozelek (aka Sun Kil Moon), amigos de longa data e que, em “For You Always”, relembram uma amizade especial e importante para ambos. A faixa é escrita (claramente) por Kozelek, no seu estilo muito próprio de oversharing, e acaba por ser a música mais deslocada do contexto do álbum, mas que tem o seu encanto nessa estranheza de parecer não pertencer ali.
Após escutar Minor Victories diversas vezes, uma conclusão parece a cada audição mais evidente: é na conciliação das três abordagens à música e nas obras de arte que o shoegaze/post-rock da banda nos permite criar mentalmente que os Minor Victories têm a sua força. Sendo, normalmente, os primeiros álbuns afirmações de intenção a partir das quais (desejavelmente) ocorre uma evolução, aguardamos com curiosidade aquilo que um segundo registo por estes brilhantes músicos possa trazer. Mesmo que isso não aconteça, já ficam 50 minutos de música bastante boa e que dará sempre muito prazer ouvir.