O charme indie dos Belle and Sebastian deu lugar a uma simples máquina de fazer (boas) canções.
Há duas formas completamente distintas de olharmos para os Belle and Sebastian, e para cada um dos seus discos que vão saindo. A primeira é compararmos com os seus tempos áureos na segunda metade dos anos 90, em que conquistaram o mundo, sem querer e de forma altamente improvável, com uma série de álbuns que definiram o que era a indie pop letrada e sensível: falamos sobretudo dos seminais Tigermilk (1996), If you’re feeling sinister (igualmente 1996) e The boy with the arab strap (1998). A outra forma é ouvir um novo disco sem essa bagagem, de fresco, de peito e cabeça abertas.
Não conseguimos evitar o primeiro caminho, de tal forma essa trilogia inicial (juntamente com o igualmente fabuloso God help the girl, de 2009) nos marcou. Marcou-nos tanto que, de certa forma os queremos sempre aí, para sempre aí, sempre aí para nós, para nos cantar canções simples, bonitas e tímidas, que falam de pessoas sensíveis, complicadas e não necessariamente bonitas, à procura de um rumo à saída da adolescência.
É claro que a banda escocesa não tem culpa nenhuma do nosso egoísmo. Desde então tornaram-se conhecidos, bem sucedidos, integrantes habituais dos cartazes dos grandes festivais de Verão, ainda que não nas letras grandes, porque isso é, francamente, demasiado burguês para eles.
Os Belle and Sebastian de 2023 já não são os adolescentes borbulhentos a escrever músicas sentidas no seu quarto. São uma máquina bem oleada de fazer canções, boas canções, de todos os géneros.
E é isso que complica a avaliação deste Late Developers, saído menos de um ano depois de A bit of previous (2022), que pusera fim a um período de quase sete anos sem discos “de originais”. Na verdade, estes são discos gémeos, gravados nas mesmas sessões e partilhando muitas das mesmas forças e fraquezas. As forças são a (quase) sempre infalível criatividade melódica, a capacidade de sacar várias grandes canções de uma vez e as letras sempre inspiradas; as fraquezas são uma dispersão estilística cada vez maior (lá está, tornando-os numa banda que os fiéis da velha guarda têm dificuldade em reconhecer), levando-os às vezes a cometer o maior dos pecados indie, o mau gosto.
A excelente pop soalheira de “Give a little time”, a balada contida de “Will I tell you a secret” ou a lindíssima e plácida “When the cynics stare back from the wall” mantêm esse espírito antigo e inocente, com magníficos resultados, mas são poucos exemplos por entre as 11 músicas deste álbum.
O que não quer dizer que o resto não seja bom, algum é até muito bom. “When we were very young” tem uma letra magnífica (os Belle and Sebastian sempre conseguiram devolver-nos a nossa própria humanidade num simples verso) e uma música mais negra que o habitual; “So in the moment”, com o seu ambiente Sparks, é uma boa canção pop, ainda que pudesse ser de qualquer outra banda; “The evening star” é uma deambulação por ambientes mais soul da transição 60’s/70’s, com resultados bastante satisfatórios; e “When you’re not with me” é pop-rock movida a um baixo pulsante e gingão.
Até aqui, tudo bem, ainda que fora do nosso universo mais querido.
Mas depois, o tal pecado imperdoável: o primeiro single do disco é uma coisa pastosa chamada “I dont know what you see in me”, uma xaropada banhada a sintetizadores e batida electrónica a lembrar o pior dos anos 80, num cruzamento com as azeitices que os Coldplay andam a fazer há uns anos. Esta poia dourada a cheirar a Eurovisão de terceira categoria estar num disco de Belle and Sebastian, e ainda por cima ser escolhida para single de apresentação de Late Developers, é uma âncora amarrada ao pescoço de todo o disco.
Em resumo: quem se tiver libertado da relação amorosa da adolescência com os velhos Belle and Sebastian (ou os desgraçados que nunca a tiveram) tem aqui uma boa coleção de boas canções com óptimas letras e tudo no sítio; quem tiver essa consciência e vier à procura dos seus velhos amigos…olhará como olhamos para uma antiga namorada que cresceu e mudou, que continua bonita mas contaminada pelo mundo e pelo sucesso.
Amámos aquela miúda, sem dúvida. Amaríamos esta, se a conhecêssemos já assim? Cada um terá a sua resposta.