“Arabica” tocaria Xerazade se fosse moça dos anos 90, findas as mil e uma escutas pedir-lhe-ia o rei um bis. Faz-se em “Marr” o que fariam os Smiths se se aguentassem até a sua Manchester virar Madchester e o banho-ruído rosa lhes lavasse a cara em 1991; mas destino o quis assim, que os Basset Hounds tocassem isso por eles, 24 anos metaforicamente volvidos. É atrelada aos Crazy Horse que corre a caravana de “Young”, olhe o passageiro pela janela do transporte e só verá as paisagens de Against Perfection e Nothing. Nas águas sónicas tremulosas de “Oscilations” reverbera o grandioso Oshin, epítome da fusão indie rock/shoegaze. Mais que incendiárias revisitações de estilos ou influências, as canções do álbum de estreia dos Basset Hounds são emaranhados pequenos abraços de gente que nunca se abraçaria – imposição geográfica, temporal ou ideológica preponderante.
“Swallow Bliss” lembra a conjugação surf rock/shoegaze dos contemporâneos WESTKUST, porém esta é interpolada por morosa e agressiva “riffalhada” à boa maneira stoner, duelos de guitarra discordantes e desorientados que gradualmente se fundem em canto de sereia, uma explosão de solo histrionicamente jubiloso e efusivo. “Sound” imagina os RIDE como banda da C86. “Take Time” vive de um riff conjurado da mais punk e mal-ventilada das garagens, mas o papá ainda não tinha tirado os pósteres dos Lush antes de os meninos a ocuparem. O rock vive da revitalização destemida, daquele que faz do acorde enciclopédia.
O trio constituído por “Over The Eyes”, “Medley” (delicado e precioso momento acústico, bucólico e singular na forma como se apresenta e dissipa tão oportunamente) e “Take Time” (sendo que a transição entre estes dois últimos temas é de cortar a respiração, tal a tamanha descarga de energia e poderio) põe por terra quaisquer dúvidas que se tenha acerca do talento destes senhores. Gravam estes temas em separado e aparentam estar juntos, em sincronia que dir-se-ia, à falta de melhor termo, perfeita. Entregam-se à imensidão do volume – brincam, exploram, ensurdecem na multiplicação de efeitos e camadas. Alguém falou em Going Blank Again?
Desta matéria são feitos os grandes álbuns rock. Basset Hounds é um marco na história breve do shoegaze português. Sempre Loveless, mas para amar.