Um breve preâmbulo para dizer que escrevo este texto enquanto ouço o disco sobre o qual redijo. Sintonia perfeita, portanto. E mais: conheço O Corpo Sutil (The Subtle Body) há tanto tempo, que nem sei quantas vezes já o ouvi ao longo de mais de 15 anos. No entanto, e ouvindo-o nesta circunstância pela enésima vez, encontro-o em grande forma, imaculado, mostrando claramente todos os seus predicados. Ou seja, permaneço rendido à sua arquitetura sonora e ao seu cativante swing delicadamente frágil. Por isso, devem entender estas linhas iniciais como uma espécie de declaração de interesse.
Arto Lindsay lançou O Corpo Sutil em 1996, e meses depois já fazia parte da minha vida. Depois de ter andado por bandas mais ou menos bem sucedidas (DNA, Lounge Lizards e Ambitious Lovers), Arto Lindsay atirou-se a uma carreira em nome próprio, sendo que na minha opinião este trabalho permanece como um dos seus maiores momentos. Todo o disco é irrepreensível. Há namoros descarados com a bossa nova (ao ponto de haver uma versão de “Este Seu Olhar”, de António Carlos Jobim), delicadas passagens jazzísticas, algum minimalismo instrumental de fino bom gosto e qualidade, ao qual não é alheia a participação de músicos do calibre de Amadeo Pace, Brian Eno, Vinícius Cantuária, Naná Vasconcelos, Ryuichi Sakamoto, Bill Frisell e Marc Ribot, entre outros. Pelos nomes expostos percebe-se que é um disco de vanguarda, ao mesmo tempo que vagueia por estilos sonoros marcadamente distantes dos anos finais do século XX. As 11 canções que podemos ouvir em O Corpo Sutil permanecem infladas de um encantamento particular, pelo que o aconselho a todos os que gostam de MPB e seus derivados mais suaves, bem como a todos os que, como eu, se deixam levar por alguns bossanovismos menos ortodoxos.
Disco bilingue (saiba-se que Arto Lindsay nasceu nos Estados Unidos, mas viveu no Brasil durante alguns anos do período tropicalista), O Corpo Sutil – The Subtle Body (For Life Records) descarna até à mais crua filigrana sonora todas as suas composições, e essa é uma das suas maiores virtudes. A simplicidade não é coisa fácil, nem para todos, como sabemos. Desse modo, e se também nós conseguirmos ouvir de alma aberta os seus 34:51 minutos, O Corpo Sutil soará sempre bem, muito bem até, uma recompensa para quem sabe entender a música como coisa fundamental da existência. Brisa que refresca por ser mais do que simples brisa. E assim, nesse dolente conforto que nos leva a fechar os olhos numa dormência próxima do sono, embora não se queira dormir nem por um segundo, O Corpo Sutil revela-se na sua máxima cintilância! Há, aliás, uma canção no disco (“My Mind Is Going”) que diz “My mind is going / Looking for the sleepy part of you / My mind is going / All day inventing you”, e nisso resume-se muito daquilo que pretendi dizer com este texto, embora nem sempre de forma bem conseguida.
Muito boa a resenha,como sempre.