Uma bateria e uma guitarra bastam para os Quelle Dead Gazelle fazerem uma tempestade perfeita. Maus Lençóis é o álbum de estreia de Miguel Abelaira (bateria) e Pedro Ferreira (guitarra), que se deram a conhecer com um EP em 2013. Voltaram a recrutar, para a produção, a dupla Fábio Javelim-Makoto Yagyu, mas desta vez gravaram na nova casa dos PAUS, Linda Martini, etc, o HAUS, em Lisboa. O disco sai esta sexta-feira, 13 de Maio, e no sábado tocam no Musicbox.
Altamont: Três anos depois do primeiro EP, de onde vêm as novas canções?
Pedro Ferreira: Algumas já estavam feitas, marcámos data de estúdio e, ao vermos a data a aproximar-se, tivemos que apressar o processo. Ainda fizemos 3 ou 4 em duas semanas. Ia sendo trágico, mas não, correu tudo bem.
Quando foram para estúdio já tinham esqueletos de músicas?
P: Tínhamos duas ou três completas, vários esqueletos.
Miguel Abelaira: E três que não existiam sequer, que apareceram nessas duas últimas semanas.
Como é que compõem a vossa música? Tem muito de improviso, de jam em estúdio, ou há trabalho de casa, coisas escritas?
P: Escritas não, eu não percebo nada disso.
M: O Pedro aparece com um riff e eu tento fazer uma cena qualquer por cima. Não conseguimos, vamos fumar um cigarro, isto durante 3 ou 4 vezes, e passado dois dias lá conseguimos. É uma cena assim.. temos as ideias mas não conseguimos fazer logo grande coisa, depois pensamos um bocado nisso e as coisas vão aparecendo.
P: Mas é meio/meio. Às vezes há coisas que surgem em ensaio, outras vezes faço eu um esqueleto ou um riff e depois vai aparecendo a partir daí. E como somos só dois… Raramente aparece alguma coisa a partir da bateria, é difícil aparecer com um riff de bateria e pôr por cima. Quer dizer, dá para fazer mas normalmente é ao contrário.
M: Já apareceu uma música com um beat.
P: Já?
M: A “Burundi” começou com um beat. Mas foi a única.
E isso depois influencia o curso que a música leva?
P: Há de influenciar, mais ritmada. Mas não é exercício que tenhamos feito muitas vezes. Mas é para experimentar.
Gravaram no HAUS, produção do Makotó e Fábio Javelim, que tal foi essa experiência?
P: Fomos a segunda ou a terceira banda a gravar lá. Acho que o disco ficou bastante diferente do EP, não só por ter sido gravado num estúdio diferente, mas porque já passaram 3 anos.
M: E porque já os conhecemos melhor, já estamos mais à vontade com as sugestões que eles dão, e vice versa.
O disco passa um sentimento de tensão, vertigem, suspense, com várias mudanças de direcção. De onde vem isso?
M: Eu acho que vem de não conseguirmos fazer melhor. É tipo “não sei para onde é que isto vai agora, ok então vai mudar completamente”. São soluções que nós arranjamos.
P: Umas vezes estéticas, outras vezes por nabice mesmo. Às vezes queremos dar a atmosfera de suspense, parece que vem uma coisa e afinal vem outra coisa completamente diferente, e outras vezes é a solução, tem de ser.
Quando decidiram fazer álbum, pensaram disco como um todo ou foram fazendo canção a canção?
P: Isto foi composto ao longo de dois anos e tal. Queríamos fazer um álbum, mas não foi propriamente pensado com um seguimento, tipo “é um álbum e todas as músicas têm de ter um seguimento para fazer um álbum”. Foram todas pensadas à volta do mesmo ambiente, da mesma génese, mas foi partido. Tem conceito, tem um ambiente, a aura é mais ou menos toda a mesma – tirando um tema, que já tínhamos há mais tempo, que é o que aproveita mais o que vem do EP.
Precisamente em relação ao EP, parece-me que há um pouco menos de África e mais de urbano. Foi uma decisão, afastar um bocado dessa inspiração mais tribal?
M: Sim, pelo menos da minha parte tentei manter a coisa mais ou menos dançável mas fugir um bocado àquele “África clássico”, que tem sido cada vez mais usado pelas bandas portuguesas.
P: Sim, e já tínhamos feito isso, é sempre bom tentar fugir ao que já foi feito, pelo menos o nosso EP tinha muita África e tentámos escapar. O Miguel disse que tentou, eu também tentei e acho que conseguimos. As guitarras estão mais limpas, limpas de efeitos, na bateria tentámos não cair na coisa tribal, espero bem que tenhamos conseguido.
Sobre o título, quem é que está em Maus Lençóis?
M: Acho que é um bocado toda a gente. Isto foi um segundo título, eu queria que o disco se chamasse Má Onda, porque eu ouvi aquilo tudo seguido e era desconfortável, sentia má onda, e disse que se ia chamar Má Onda. O Pedro disse “não, isso é demasiado má onda”. Então uma cena que seja má onda mas que não seja má onda.
P: Pois.. Maus Lençóis.. Eu acho que a vibe do disco é toda assim um bocado desconfortável, o que não é mau, é um desconfortável confortável, é por aí, um bocado a tentar apanhar a vibe da coisa, é meio bizarro.
E além do título do disco, o título das canções, cheio de jogos de palavras interessantes. Como é o processo de baptizar as canções?
P: Complicado.
M: Longo.
P: Quase todos os nomes apareceram no final. Às vezes é tentar transpor o que um gajo acha que a música passa, outras vezes não, é mesmo ao calhas (risos).
M: Acho que demorámos mais tempo a dar nomes às músicas do que a fazê-las.
P: É possível. Há essa cena de tentar encontrar um nome para a coisa.
E durante esse processo também foram tendo opiniões diferentes?
M: Houve pancada e tudo, a banda esteve para acabar por causa disso.
P: Então havia um nome tão bom, que era as “Tartes da Júlia” e ninguém quis aproveitar. Havia nomes fantásticos pá. Mas ficarão para um próximo.
Em termos sónicos, isto é tudo feito com uma só guitarra ou há truques de produção?
P: Há loops, agora metemos mais loops. Em estúdio são gravados em overdub, depois ao vivo tenho que os tocar. Mas é a única artimanha, está gravada a base e depois faço o overdub em estúdio, ao vivo toco tudo, não tenho as coisas já gravadas. Acho que isso corta um bocado a vibe, mesmo que corra muita mal, é tudo gravado na hora e o que sair saiu, o que não sair não saiu.
Ao vivo, no sábado tocam no Musicbox em Lisboa, como vai ser?
P: O que eu acho do concerto em relação ao estúdio é que é mais orgânico. É difícil apanhar a cena do live em estúdio, ao vivo é diferente.
M: É mais descontrolado.