Há uma longa tradição no Porto de boa música pop. Bandas imensas como os GNR, os Ornatos Violeta e os X-Wife vêm-nos de imediato à cabeça. Talvez por isso tivéssemos ouvido com atenção o grande álbum de estreia dos portuenses Lazy Faithful. Aproveitando o facto de terem ido tocar a Lisboa ao Sabotage, conversámos com eles na própria boca do lobo. Falámos de tudo um pouco, do «Big Lebowski» a «hidden tracks», dos MC5 a roupões-toalha brancos. Ficámos com uma certeza: a tocha do rock’n’roll do Porto permanece bem acesa.
Altamont: Em comparação com o vosso EP, Easy Target é mais complexo, mais heterogéneo e mais denso. Essa mudança foi deliberada?
Foi uma metamorfose. Estávamos fartos de estar sempre a fazer o mesmo. O disco foi bagagem mais o que estava a acontecer no momento. Chegou a um ponto em que tínhamos músicas decentes para fazer um álbum e porque não?
Vocês vêm de uma linhagem de rock mais cru e directo. Mas sente-se que não querem ficar prisioneiros dessa matriz, que querem sair da vossa zona de conforto e explorar outras coisas. Nesse processo, não têm receio de que alguma da vossa energia rock primordial se possa diluir um pouco, como se fosse o preço a pagar pelo “crescimento”?
Eu acho que a partir do momento em que se deixa de sentir a coisa, já não se pode fingi-la. Apesar de adorar essas bandas – Stooges, MC5, The Hives – tu só podes imitá-las até a um certo ponto. Chegas aonde eles chegaram, e depois, e daí? Daí tens de adicionar a tua cunha, e podes perder o interesse em tocar esse tipo de música. A mim está-me a acontecer um bocado. O grande desafio – o “ouro” – seria conseguir ter música complexa e cerebral, e ao mesmo tempo manter uma coisa que consiga agradar a nós próprios, ao público e aos críticos. E ficar para a História (risos). Um bocado a metamorfose que os The Who fizeram. O primeiro álbum deles não tem nada a ver com o resto da carreira. Se pegasses nas músicas mais simples do Easy Target e as juntasses ao nosso EP, tinhas um mini-álbum. Se deixasses as outras de lado tinhas um segundo álbum que já indicava o que nós queríamos fazer. Eu na minha cabeça queria fazer tal como eles fizeram, que é manter-me dentro do rock mas desenvolvê-lo para fora dos seus limites originais.
Também sinto que as letras são mais espessas e mais tridimensionais do que no EP, explorando as tensões contraditórias de que é feita a vida. No vosso single «Good Night», que no início parece ser uma ode à noite e à boémia, surge depois a frase «and all my friends don’t know me», como se apesar de toda a folia cada um estivesse na sua bolha e as pessoas não conseguissem chegar umas às outras…
Foi exactamente aí que eu queria chegar com essa letra. Era isso que eu sentia na altura, quando o pessoal começa a juntar-se mais na noite e nos copos, há pessoas que só conheces nesse contexto e questionas-te se as realmente conheces e se gostavas de as conhecer no seu estado sóbrio. E a certa altura perdes o contacto com aqueles amigos mais sedentários, a certa altura já nem podes contar com o apoio deles porque já deixaste de fazer parte da sua vida, fazes parte da vida destes gajos que não sabes se se levantavam da cama por ti. Eu chamo-lhes «meus amigos», tenho o número deles, mando-lhes mensagens todos os dias mas será que são mesmo meus amigos, será que eles me conhecem? Fiquei contente por ter conseguido pôr esse tipo de letra mais complexa numa música tão frenética.
É um tema que aparece noutras canções. Em «Froster Glass» aparece o verso: “I can’t see through you”, novamente como se as pessoas fossem bolhas opacas, sem se conseguir ver lá para dentro…
Essa é talvez a música mais romântica do álbum, é literalmente uma analogia entre a transparência de uma pessoa e a transparência de um vidro, neste caso, um vidro fosco. É uma pessoa que é muito difícil de conhecer porque ela não é completamente transparente, não mostra tudo de quem ela é. No refrão «behind you, everything you don’t wanna show» percebe-se que eu quero conhecer o que está por detrás daquilo mas tu não queres mostrar quem tu és. Por acaso pegaste nas minhas duas letras preferidas do álbum. Estranhamente, a «Easy Target» não é uma delas. Também gosto muito da «Don’t Let it Be».
Pegando na deixa, «Don’t Let it Be» é uma canção sobre o conflito nas relações amorosas: «she slamed the door behind the tears and all the rage», cantas tu. Em «Discussions» regressas ao mesmo tema. Parece que há aqui um grande pessimismo sobre as relações humanas, não é? Isso talvez venha da tal maturidade de que falávamos há bocado. Se calhar quando somos novos vemos tudo em cor-de-rosa mas depois percebemos que as coisas não são tão idílicas assim…
Sim. Tanto uma música como a outra representam conflitos nas relações humanas, nomeadamente amorosas, tanto são as discussões de um casal como são as de uma pessoa com ela própria, como naquela parte da música em que um gajo enche a mala de droga e bebida e vai para o campo perder a cabeça. A «Don’t Let it Be» é a mais descritiva sobre esse tipo de situação. Eu na altura queria pôr-me num sítio mesmo sombrio, então imaginei uma situação de violência doméstica que acabava na morte da rapariga. Só que eu acrescentei um “twist ” à história: a discussão acabava com a mulher sair de casa («she slammed the door») e depois ele encontrava a mulher, horas mais tarde, morta num beco. A música não conta isso tudo, mas esse era o «storyboard» que eu tinha na minha cabeça. E isto é uma coisa que nós nunca falámos mas entre cada estrofe era suposto haver um «snippet» de som de rádios de polícias e sirenes de ambulâncias.
Tommy, tu és filho de ingleses, o inglês é para ti uma língua materna, e isso é uma vantagem em relação a outros músicos que não têm o mesmo domínio da língua. Não tens receio que muitos portugueses se percam na tradução?
Depende de para quem é que estou a fazer a música. Eu nunca, durante um instante, quando estou a compor algumas das minhas músicas penso que isto é exclusivamente para o mercado português. Penso que isto é para quem quiser ouvir o disco tirar o que conseguir, por isso nunca foi uma barreira para mim. Até porque eu não gosto da maneira como eu canto em português, por isso evito fazê-lo. Mas nunca pensei dessa forma, e hoje em dia a malta sabe cada vez melhor falar inglês.
No final do disco há uma faixa escondida, um rock’n’roll à anos 50. Foi um statement de homenagem aos pais disto tudo ou foi foi algo mais simples do tipo: «sobrou espaço no disco, vamos fazer uma merda qualquer»?
Isto apareceu no disco porque nós todos gostamos muito da ideia da «hidden track» e começámos a pensar em qual seria. Decidimos fazer uma coisa que não desse muito trabalho. Pegámos numa música que o Tommy já tinha feito há muito tempo mas que acabara por ser abortada. Metemos a câmara a gravar, montámos o microfone, tudo meio improvisado, ao primeiro take, até a meio da música o Tommy vai para o piano, tudo meio tosco mas isso é o que torna a coisa engraçada.
Falemos um bocado da vossa imagem de marca – o eterno roupão-toalha branco. Não deve haver uma única entrevista que vos façam sem referir o roupão…
Antes de mais, eu vou ter um novo roupão (risos).
Temos aqui um furo. O Altamont vai noticiar em primeira mão que vais ter um novo roupão (risos). Qual a ideia do roupão: um pouco de glamour que resulta bem a nível de linguagem pop ou algo mais complexo do que isso, uma metáfora da preguiça e do desleixo, que também aparece no próprio nome da banda?
Se quiseres, pode ser qualquer uma das hipóteses. A resposta mais preguiçosa seria a que eu não escolhia. Eu prefiro a hipótese do glamour. Vou espreitar o meu roupeiro a ver o que é que eu tenho mais fora do normal. Tenho um roupão, os druidas usavam roupão. Eu assim não pareço um druida, pareço um gajo que vai para a sauna. É assim um glam anti-glam: ali não há brilhantes, é um roupão-toalha, tipo “olha para mim de roupão, que por acaso pareço um bocado estúpido” (risos).
Uma vez vi uma referência vossa ao «Dude», do Big Lebowski, que vai de roupão para a rua…
Foi daí que veio a ideia, em parte. Há duas respostas, essa ou a outra do «porque não?» (risos)