
O rock português ganhou no ano passado mais um nome de peso. Keep Razors Sharp! Afonso Rodrigues (Sean Riley & The Slowriders), Rai (Poppers), Bibi (Pernas de Alicate) e Bráulio (ex-Capitão Fantasma) juntaram-se em estúdio e o resultado é um grande disco de estreia, para escuta e download no site da NOS Discos.
Altamont: Posso-vos chamar uma superbanda?
Rai e Afonso: Não de todo…(risos)
Vocês são compostos por elementos de outras bandas..
Afonso: Se quiseres chamar isso podes (risos), mas não nos identificamos muito com isso… eu pelo menos não me identifico com essa designação. É um conceito muito espalhafatoso e pretensioso.
Qual foi a ideia por de traz dos Keep Razors Sharp, como é que isto aconteceu?
Rai: Aconteceu na altura em que o Afonso e o Bráulio (baixista) vieram para Lisboa… eu já os conhecia e ficámos mais próximos cá…passámos muito tempo juntos. O Bráulio sugeriu uma sala que estava disponível para ensaiar 24 horas e acabou por sugerir que nos juntássemos dentro dessa da sala de ensaio e trocássemos umas ideias, sem grande pretensão..
O que vos juntou foi amor ao rock psicadélico, o pós-rock? Vocês não tem um estilo muito definido.
Afonso: Naquela altura, logo no primeiro ensaio, não levávamos nada pensado, nem sabíamos bem o que haveríamos de fazer… curiosamente o som que começamos a produzir é o som de hoje em dia, não foi nada planeado. Foi uma coisa que estava dentro de nós e que queríamos explorar e acabámos por conseguir manter o mesmo som desde o inicio, não foi nada pensado, não nos juntamos a pensar fazer algo em concreto.
Tanto tu, Afonso, como Rai, são vocês que escrevem as letras, certo? Vão buscar a inspiração aonde? São histórias pessoais, ou lembram-se de uma história para contar?
Afonso: A maioria das letras que as pessoas escrevem tem “variadíssimos” tipos de registos e diferentes influências, mas de alguma forma, há-de estar sempre ligado a alguma coisa que tu viveste ou que está próximo de ti… A não ser que te dediques a escrever puramente em ficção, há quem faça isso, alguém que conte histórias e crie histórias. No caso de Keep Razors Sharp não passa muito por ai. Não penso que sejam letras totalmente autobiográficas nem totalmente elaboradas. São um pouco das duas coisas: há determinado tipo de momentos/ideias que tu passaste e queres transmitir na canção, depois, claro, acabas por tornar a música um pouco mais ficcional, ou para a história ser mais interessante ou porque não te queres expor demasiado. De certo modo até para seres mais abrangente e que essa história seja partilhada por mais pessoas.
Como é que definiam este álbum, se pudessem usar três ou quatro palavras… ou mesmo uma? (risos)
Afonso: Intenso…(risos) É um álbum intenso.
Ouvi dizer que vocês se tivessem um poder seria o da Invisibilidade. É timidez, é gostarem de passar despercebidos, é o que?
Afonso: É um bocado o contraponto dessa questão da superbanda. Quando surgiu essa conversa perguntaram-nos qual seria o nosso dom, e eu de facto, quando penso na ideia de superbanda, penso nos Traveling Wilburys : a banda composta por George Harrison, Jeff Lynne, Roy Orbison, Bob Dylan e Tom Petty. Isso para mim é que é uma verdadeira superbanda (risos), não há assim tantas no mundo, e se são tipos como nós que são sortudos o suficiente para serem considerados uma superbanda então o nosso dom é mesmo o da invisibilidade…
Modestos e discretos (risos)… o vosso processo criativo como é que surgiu?
Afonso: Uma das coisas que nós estabelecemos desde o início foi que tudo o que fizéssemos, seja as canções ou letras ou mesmo as melodias, seria sempre feito pelos quatro. Todas as músicas que estão no disco começaram com um improviso, depois agarramos no improviso e percebemos que há qualquer coisa que podia ser explorada e as músicas acabaram por crescer de uma forma natural…
Não forçada…
Rai: Exacto, sem ser muito forçado, depois agarramos na estrutura da canção, metemos a melodia de voz, escrevem-se as letras e fica…
De certo que todos os vossos concertos tem sido diferentes uns dos outros, há algum que se destaque, algum momento especial?
Afonso: Houve momentos diferentes porque atingimos coisas diferentes. O primeiro é sempre o mais tremido, mais mal ensaiado, mais nervoso mas por outro lado, tens aquela grande situação de: ok isto está feito. Transformou-se em algo, materializou-se, e acabamos por ter aquela sensação que isto pode acontecer mesmo. Depois tens coisas, como fizemos este ano, como sentir o feedback do público quando estás a tocar as músicas. Isso é todo um outro tipo de preenchimento e de experiência. Acho que já tivemos a felicidade, nestes últimos meses de ter vivido coisas muito boas e por razões vindas de sítios diferentes.
É difícil conciliar a vossa vida com este projecto novo e com as vossas outras bandas? Como é que conciliam tudo?
Afonso: É preciso fazer esforços claro, obviamente. É preciso gostar muito daquilo que fazes porque é preciso, muitas vezes, que a tua sexta ou sábado à noite, em vez de estares a passar pelo Cais [do Sodré], ou passar a noite com os teus amigos no Bairro, tens de passar a noite com os teus amigos na sala de ensaios. Isto é, e têm de ser uma obrigação, no sentido em que o tens que fazer para chegar a algum lado criativamente. Tens de trabalhar, tens de despender daquelas horas. É bom que estejas a fazer uma coisa que realmente queiras fazer com as pessoas que queres mesmo fazer, se não, não é mesmo possível.
A música é um mundo cão, mas Portugal também é um país difícil para se ser músico…
Afonso: Portugal é cão! Essa conversa para mim não é muito válida. Os meus amigos licenciados em Direito também tem os seus problemas, outros na área da farmacêutica também passam por problemas, os meus amigos que estão em teatro também e o mesmo para os que trabalham no Pingo Doce. É uma falsa questão. Sim é difícil ser artista. Há países com mais incentivo, mais oferta, mais apoio a nível cultural e mais estruturados a nível governamental. Nesses países, as condições para as pessoas que tem outras actividades também são melhores. No fundo, as dificuldades da carreira artística em Portugal tem que ver com as dificuldades de cada país e à escala das coisas que acaba por não funcionar… Para mim é simples: ou tu queres fazer as coisas ou não queres. Tens de saber gerir as tuas expectativas em relação ao que estás a fazer. Tens que ter a noção do sítio onde estás, o que estás a querer fazer e o que é que isso te pode trazer. Se o teu objectivo for criar algo que te orgulhes e gostes, o resto é irrelevante. Nós não tentamos, nós fizemos aquilo que nos propusemos a fazer. O nosso objectivo aqui é pura e exclusivamente a criação artística, expressarmo-nos artisticamente através da música, que é uma paixão nossa… honestamente, se isso vai vender 100 mil discos ou só dois, o que nós queríamos fazer está feito….
E é gratificante, dá-te boas memórias…
Afonso: Claro. Coisas boas a tirar daqui? Saber que há pessoas que se identificam com a nossa música, as pessoas para quem damos concertos, coisas fixes como viajar com os meus amigos e divertir-nos. Não estamos a espera de mais nada.
Parece simples… (risos)
Afonso: (risos) Não posso generalizar claro, mas é fácil tu culpares o sistema. Tudo é difícil, é difícil criar dois filhos e ser solteiro, é difícil não ter emprego…em comparação a isto, fazer muita não é uma coisa difícil…
E dá-te um gostinho…
Afonso e Rai: Todo o gosto…
Afonso: Por isso, vivam a cena e chorem menos… (risos)
Portugal está a viver um bom período de música… tantos e bons.
Rai: Uma época muito, muito boa mesmo.
Combater a crise com a criatividade, uma contradição em relação ao facto de que nestes tempos os primeiros cortes são logo dentro da área cultural…
Afonso: Sim sim, isso sem dúvida que passamos por um óptimo momento… Isto é cíclico, tem muito a ver com modas também… primeiro veio a onda da música de dança, depois do hip-hop, depois da música cantada em Português etc… mas sem dívida que estamos agora com um grupo de coisas muito fortes a acontecer em Portugal. Eu tenho essa certeza e vejo festivais com cartazes inteiros compostos por bandas portuguesas e isso é incrível, vejo as pessoas a irem e a ficarem satisfeitas. Estamos com um padrão de qualidade elevado, há muita coisa a acontecer boa, há muita coisa acima da mediocridade… bandas que não vêm para ocupar espaço, vêm porque a qualidade é muita e a iniciativa e vontade para fazer também.