Os GNR sempre foram, de certo modo, uma banda à parte no que toca ao pop português. Neste campeonato, a sua longevidade rebenta com todos, e ao longo de três décadas de carreira, já passaram por tudo: sucesso estrondoso, rasgo criativo, facilitismo, silêncio. Do tempo em que, memoravelmente, foram a primeira banda nacional a esgotar um estádio, até à digressão actual pelo interior do país e por palcos mais pequenos, a banda do Porto é parte intrínseca da nossa cultura colectiva. Quer o país queira ou não saber disso.
A atenção mediática não tem andado muito em cima dos GNR nos últimos anos, excepção feita ao extraordinário e raríssimo provocador que é Rui Reininho e as suas incursões alegadamente alcoolizadas em programas de talentos na televisão. E se, durante algum tempo, esse descuido se podia entender, este ano as coisas são diferentes. Caixa Negra, último disco de originais editado já em 2015, marca o regresso dos GNR à boa forma. E, se isto não se reflecte necessariamente em airplay e vendas, artisticamente não deixa de ser um triunfo que merece atenção. E atenção, que não se quer assustar ninguém: o triunfo artístico não significa dificuldade. Os GNR são, sempre foram e sempre serão uma banda pop de primeira água. Simplesmente, neste Caixa Negra, fazem-no a lembrar os melhores momentos de discos mais antigos como Mosquito (1998) ou Popless (2000).
O disco que nos traz aqui agora é Afectivamente, nome dado ao disco ao vivo dos GNR, o primeiro em 25 anos (o que é obra, num conjunto que já bem podia ter espremido esse filão). Este registo documenta o concerto dado a 22 de Maio no belíssimo Theatro Circo, de Braga, assente num tom mais “acústico” (leia-se mais íntimo e com arranjos diferentes) do que o habitual para os GNR. O espectáculo é um misto de temas (quatro) do disco mais recente – que funcionam de forma óptima em palco – e dos inevitáveis hits (que os portuenses têm, lembre-se, para dar e vender).
E se o termo “acústico” nos fez tremer, temendo uma daquelas xaropadas que estava na moda há 20 anos atrás, o resultado não tem nada a ver com isso. Os GNR nunca foram necessariamente barulhentos, pelo que, aqui, o que temos é menos volume mas mais definição no som. Baixo, guitarra, violino, bateria, voz e acordeão; basta isto e o ambiente do Theatro Circo para nos dar um disco ao vivo que mostra que, havendo quem saiba o que está a fazer, gravar desta forma não tem de ser um bicho de sete cabeças. Bom som, quente e íntimo apesar de o público ser audível. Reininho, o homem que teima em achar que ser artista é ser livre e até libertário (e bem), é naturalmente um dos vocalistas mais facilmente reconhecíveis da música portuguesa, e em 2015 está a cantar melhor do que nunca; com segurança e sem perder a expressividade.
Em termos de repertório, é tudo de aproveitar em 18 temas, quase todos pela pena do multi-instrumentista Toli César Machado (que juntamente com Reininho e Jorge Romão são a espinha dorsal dos GNR há uma data de anos). Destacamos o bom arranque com “Caixa Negra”, as novas versões de “Bellevue” ou “Vídeo Maria”, a recente e lindíssima balada “Dançar SOS” ou as inevitáveis “Pronúncia do Norte” (emocionante), “Efectivamente” ou “Dunas”, que continua a nunca falhar e a demonstrar ser uma das mais perfeitas músicas pop alguma vez feitas em Portugal.
O disco não está nas lojas nem nos spotifys desta vida, é distribuído gratuitamente com a edição deste mês de Setembro da revista Blitz, que entre algumas edições menos interessantes nos trouxe discos memoráveis de Rodrigo Leão ou Capitão Fausto (ao vivo), e volta aqui a acertar em cheio. Não sabemos se, tal como aconteceu com A Vida Secreta Das Máquinas, à edição com a Blitz se seguirá uma edição física do CD. Mas seria bom que tal acontecesse. Porque, de facto, não abundam os discos de GNR ao vivo e porque este “Afectivamente” é uma óptima fotografia de parte da carreira do grupo e de onde ele está em 2015. E está num bom lugar.
Seja como for, isto não tem nada que saber. A Blitz custa 3,90 euros. Não é difícil fazer as contas e perceber que, nem que fosse só pelo CD, valeria bem a pena a compra.