Em primeiro lugar, um pedido de desculpas. Music In Exile foi editado em Fevereiro e de imediato chamou a nossa atenção, mas os discos vão-se atropelando e este, injustamente, foi ficando sempre “para amanhã”. O que é uma pena, que tentamos corrigir agora.
A raiz dos Songhoy Blues está no norte do Mali, esse viveiro de talentos musicais. Em 2012, a instabilidade no norte do país, com o controlo deste por grupos de radicais islâmicos, fez com que muitos jovens fugissem da sua terra, rumando à capital, Bamako. Os novos donos do extremo norte do país tinham um particular desprezo por músicos, sobretudo jovens, e havia mesmo risco de vida se estes fossem apanhados em transgressão. A ironia é que, no meio da tentativa de silenciar a música dos jovens malianos, os extremistas empurraram-nos primeiro para a capital, que serviu de trampolim para o exterior, o mundo inteiro.
O grupo reuniu-se em Bamako, tocando inicialmente para a comunidade de refugiados que, como eles, viera fugida. O repertório era o de sempre, o familiar, o que lembrava a casa: os inevitáveis Tinariwen e Ali Farka Touré, entre muitos outros exemplos. A fama dos quatro rapazes – Garba Touré, Omar Touré, Aliou Touré (sem qualquer relação de parentesco, Touré é como o Silva lá do sítio) e Nathaniel Dembélé – foi crescendo, e acabaram por chamar a atenção do produtor que revelou ao mundo uma jóia africana chamada Amadou & Mariam. Este estava em busca de grupos locais que pudessem integrar o Africa Express – iniciativa liderada por Damon Albarn que pretende provocar o intercâmbio e a mistura entre músicos africanos e ingleses – e os Songhoy Blues surgiram no topo da lista. Sem disco gravado, mas com uma fama a crescer e uma vitalidade evidente em cada concerto (estiveram há poucos meses em Sines) foram uma escolha que agradou de imediato. Daí ao convite para gravar um disco, este Music In Exile, foi um passo. A reacção foi imediata, e os quatro rapazes pobres do norte do Mali passam agora a vida a correr mundo, partilhando com este a sua música.
E a música que temos são os tradicionais desert blues, naturalmente, com grande destaque para o trabalho de guitarra eléctrica imparável, que mais do que tudo o resto dá o swing irresistível desta banda. O seu som não é puro, está contaminado por influências rock & roll e de blues norte-americanos. No entanto, não temos aqui um conjunto de “nativos” tentando imitar o som dos seus heróis, através de covers ou aproximações. Não, as influências são indirectas, e o que temos é o calor de África, as palavras em língua local que falam de esperança e de resistência.
Num momento em que não param de surgir, felizmente, reedições de décadas ignoradas de música eléctrica africana, parece haver tanto manancial de boas coisas para descobrir que há alguma tendência para não olhar para o que, em países como o Mali, se faz no hoje, no agora. Os Songhoy Blues, com a sua história e música inspiradoras, mostram-nos que vale a pena estar atento. Como sempre, muita coisa boa se continua a fazer por África. Quando os nossos endurecidos ouvidos de europeus o captam (e será sempre menos de 1% do que interessaria), é importante não o deixar escapar, e celebrar essa alegria. Music in Exile é uma boa porta por onde começar.