Na edição deste ano do festival de música portuguesa da FNAC, cantámos, dançámos e moshámos ao som de artistas comprovadamente imortais, enquanto descobríamos os que conquistarão (ou não) a imortalidade amanhã.
Estava uma tarde de sábado soalheira e quente quando chegámos ao Jardim da Torre de Belém. Vimos grupos de pessoas sentadas na relva, algumas em pequenos grupos à volta de toalhas de piquenique, outras sentadas à sombra do palco, ainda vazio a esta hora. Barraquinhas de comida e bebida e alguns espaços com patrocinadores compunham o cenário. Seria uma edição do Outjazz? Não, era o FNAC Live, que, pelo segundo ano consecutivo, se instalou à beira Tejo para entregar os prémios novos talentos FNAC e celebrar, tanto os novos, como os já estabelecidos nomes da música portuguesa. A tarde prometia, no programa tínhamos You Can’t Win Charlie Brown, Gisela João, Sérgio Godinho, Nenny, GNR e José Pinhal Post Mortem Experience, já para não falar de uma mão cheia de artistas novos no palco NFT, um cartaz de luxo, capaz de fazer inveja a qualquer outro festival de verão.
O que nos surpreendeu mais no FNAC Live não foi tanto a impecável organização ou a qualidade de todos os concertos, a isso a FNAC e os artistas já nos habituaram. Gostámos sim de reparar no interessante diálogo que se estabelece quando temos oportunidade de ouvir tantos artistas portugueses de seguida, sem grandes pausas, nem para ir buscar uma muito necessária cerveja fresca. Lavoisier dizia que, na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma e, na música, encontramos mais ou menos a mesma máxima: há pontos de contacto entre os sons tradicionais de Ana Lua Caiano, os fados de Gisela João e as canções de Sérgio Godinho, ou entre a apresentação exuberante de Velhote do Carmo e de Rui Reininho quando este último está à frente dos seus GNR. E é exatamente por isto que um festival como o FNAC Live é tão importante. Se ninguém cria verdadeiramente nada de novo e se podemos ver pontos de contacto até nas coisas menos óbvias, então não há que ter medo de misturar géneros, idades ou línguas, mostrando assim que a música feita em Portugal é rica, vibrante e variada e que, havendo, de certeza, um nome no cartaz para todos os gostos, todos vão beber às mesmas fontes de inspiração.
Mas vamos aos destaques deste dia cheio de música lusa. Em honra da entrega de prémios NTF, que aconteceu antes de os concertos terem início, orgulhamo-nos de apresentar mais uma edição dos prémios Altamont para os mais memoráveis concertos do FNAC Live 2023.
Prémio One-Woman Band: Ana Lua Caiano
Se houver alguém que não tenha ainda ouvido Ana Lua Caiano e o seu mais recente EP Se Dançar é Só Depois, estimamos que não será por muito mais tempo. Canções como “Mão na Mão” e “Adormeço Sem Dizer Para Onde Vou” não nos têm saído da cabeça nas últimas semanas e estávamos muito curiosos para as ouvir ao vivo pela primeira vez. As expectativas não saíram goradas e Ana Lua Caiano conquistou, facilmente, o prémio One-Woman Band, manobrando com mestria sintetizadores, loopers, instrumentos tradicionais e a sua voz, para criar texturas ricas e assim construir, de raiz, e em tempo real, cada uma das canções dos seus dois EPs. Sem dúvida um Novo Talento FNAC que não ficará “apenas” pelos palcos secundários muito tempo.
Prémio Sing Along: “Com Um Brilhozinho Nos Olhos” de Sérgio Godinho
É sempre um prazer e um privilégio ver Sérgio Godinho, não só por se tratar de uma lenda viva da música portuguesa, mas também pela sua vitalidade e energia em cima do palco e pela qualidade da banda que o acompanha. No FNAC Live, enquanto a tarde solarenga dava lugar a um bonito por do sol, Sérgio Godinho apresentou-se em modo Best-Of, para gáudio da audiência atenta (apesar de se aproximar a hora do jantar). Hits como “Maré Alta”, “Balada da Rita”, “A Noite Passada” ou “O Charlatão” inspiraram entusiasmados coros por parte da audiência, mas o ponto alto do concerto foi, sem dúvida, a sequência das três canções finais: “O Primeiro Dia”, “Com Um Brilhozinho Nos Olhos” e “Liberdade”. Foi bonito ver o jardim da Torre de Belém a cantar estes hinos, que já fazem parte de um cancioneiro informal que todos partilhamos. Assim, Sérgio Godinho é o muito merecido vencedor do prémio Sing Along pela comunhão coletiva que nos proporcionou ao anoitecer.
Prémio Outra Face da Lua: Velhote do Carmo
Velhote do Carmo era outro dos nomes que estávamos muito curiosos para ver no palco NFT. Recentemente apadrinhado por Benjamim, que lançou o primeiro EP de Velhote do Carmo na sua (já não tão) nova editora Discos Submarinos, o ex-Zanibar Alien entrou em palco confiante e energético e, sobretudo, impecavelmente vestido. Alguns problemas de som fizeram com que as faixas de Páginas Amarelas não soassem ao vivo tão bem como prometem em disco, facto que, não podemos mentir, nos desiludiu um pouco. Mas, apesar disso, Velhote do Carmo e a sua exímia banda (Martim Seabra no baixo, António Reis nas teclas e Francisco Santos na bateria) não deixam de ganhar pontos pela entrega e pelas escolhas de indumentária, dignas das melhores lojas vintage da cidade. São, assim, o nosso prémio Outra Face da Lua.
Prémio Versão: “Vídeo Maria” de GNR por GNR
Os GNR são já realeza do Rock Português, outros cuja discografia também já está tão imbuída das nossas mentes que sabemos cantar os grandes hits de cor sem grande esforço. Com uma carreira tão longa e tantas grandes canções que os fãs exigem que façam parte do alinhamento, não é de admirar que Rui Reininho e companhia tenham vontade de variar de vez em quando, e tocar os clássicos de formas diferentes. “Vídeo Maria” é, talvez, das melhores canções da banda do Porto, e o público do FNAC Live bem tentou acompanhar Rui Reininho, enquanto este dava algumas guinadas um tanto ou quanto inesperadas. Mas claro que tudo está bem quando acaba bem e não deixou de ser um belo concerto, também este em modo best-of, com temas como “Sub-16”, “+ Vale Nunca”, “Quero que vá tudo pró inferno” e “Ana Lee” a causar grande emoção na plateia.
Uma merecida menção honrosa do Prémio Versão vai para a belíssima cover que Gisela João fez da canção “Que Amor Não me Engana” de José Afonso.
Prémio Mosh: José Pinhal Post Mortem Experience
O fenómeno do revivalismo da música ligeira de José Pinhal chegou a Lisboa e chegou em força. Perto da hora de início do concerto já se sentia na plateia, na sua maioria jovem, uma certa eletricidade expectante, antevendo a energia acumulada que se iria soltar no último concerto do FNAC Live. Assim que Bruno de Seda e os restantes José Pinhal Post Mortem Experience entraram em palco com “Ciganos” percebemos logo que a festa seria animada. Pela facilidade com que estes rapazes puseram a plateia que enchia o jardim da Torre de Belém a cantar dedicadamente todos os refrões, a entoar cada apontamento kitch do saxofone ou da guitarra, e a pular, saltar e, claro, moshar, os José Pinhal Post Mortem Experience são os grandes vencedores do Prémio Mosh. Temas como “Magia (Bola de Cristal Mentia)”, “Porém Não Posso”, “Tu És A Que Eu Quero (Tu Não Prendas O Cabelo)” e “Baby Meu Amorzinho” fizeram-nos cantar e dançar sem ironias porque, é importante não esquecer, a vida dura muito pouco.
Fotografias: Vera Marmelo / Fnac Live 2023