O contrasenso aparece logo bem à frente dos nossos olhos – iniciar uma carreira com um disco de seu nome Closing Time mostra-nos que não estamos perante um comum mortal.
Antes de mais, queria partilhar que, não sendo um fã acérrimo de Waits (ainda tenho vários discos seus por desbravar, o que se por um lado é uma vergonha, por outro é aliciante ter obra por conhecer), tenho a perfeita consciência do seu brilhantismo. Thomas Alan Waits é, inquestionavelmente e simplesmente, um dos grandes cantautores que o século XX viu nascer, dispensando quaisquer outros adjectivos. E tudo começou em Março de 1973, há 50 anos da data em que vos escrevo este artigo, com o lançamento de Closing Time, que permanece um disco ao qual sempre podemos voltar para nos dar conforto e bem-estar.
Numa altura de grande impulsão da folk, era por aí que o produtor do disco (Jerry Yester, ex-Lovin’ Spoonful) queria que a sonoridade fosse. No entanto, Waits queria dar-lhe um lado mais jazzy e não terá sido fácil encontrar o equilíbrio entre essas duas correntes de pensamento. Aparentemente, nenhum dos dois ficou totalmente satisfeito com o produto final, e quiçá por isso o álbum não foi muito bem recebido na altura do seu lançamento, pela Asylum Records. Na verdade, o que fez as pessoas descobrirem Waits foram as versões que outros autores fizeram das suas músicas, neste caso Tim Buckley com “Martha” e os Eagles com “Ol’55” (“I hate the fucking eagles man!).
Há em Closing Time ecos bem visíveis da vida entre palcos de clubes, pianos e balcões de bares que eram o cenário normal das noites do jovem Waits, então com 23 anos, e é este o ambiente que nos domina ao escutarmos o disco, salas cheias de fumo, um tipo para ali a cantar ao piano as suas dores de alma e conversas à volta, copos a tilintar, piadas a serem contadas. Heresia pura de quem não dava a devida atenção ao senhor, já que as suas histórias eram riquíssimas, com personagens cativantes e narrativas profundas.
Estão, neste disco, algumas das canções mais compostas de Waits, das que mais se aproximam das formas e estruturas populares, já que posteriormente optou por experimentar novos caminhos. “I Hope That I Don’t Fall in Love With You”, por exemplo, é uma ode às oportunidades perdidas – Waits nunca sai do seu banquinho para contar a história de dois estranhos que nunca se tornaram nada mais do que isso. Delicada, mostrando-nos o lado do pobre solitário, a música é um primeiro vislumbre desse ambiente de bar que descrevemos mais acima. “Martha” é um poema ao amor que já lá vai, ou será que ainda não foi? “Ice Cream Man” é a mais mexida e jazzy do álbum, e ao mesmo tempo uma doce lembrança da infância.
Pode ter vendido pouco, mas Closing Time revela um artista que obviamente era mais do que apenas outro cantor e compositor californiano. Continuamos, após 50 anos, a deixar-nos deslumbrar com Waits.