O que é preciso para um moche se formar? Será uma questão de ritmos? De número de pessoas? De volume? Estudiosos por todo o mundo questionam-se, tal como eu, sobre este mistério sociológico. Num momento selvagem de catarse abrutalhada, a origem da vontade gigante em saltar para o meio de um molho suado e rouco é um mistério. Eu não sei vos explicar o porquê. Dar-vos uma razão minimamente elucidativa. Mas posso-vos contar uma história…
Num belo tempo, onde o festival de verão não era um mero sonho distante e, de facto, podia vivê-lo com a intensidade de quem dá sempre tudo, tive uma experiência especial.
Tempo morto entre concertos. Já tinha mais brindes do que alguma vez conseguiria levar para casa, a roulotte dos kebabs já tinha cumprido o seu propósito e a cerveja ainda estava fresca: O que fazemos agora? Vagueámos. Por entre groupies e cromos, eu e os meus companheiros foliões, encontrámos um coreto. Não era um coreto normal: tinha fitas, imensas fitas prateadas e douradas a cobri-lo da cabeça aos pés, estava calmo, e até à altura ainda nos era desconhecida a sua existência. Aproximamo-nos. Em menos de nada, num rodopiar de fitas e luzes, vimos o nosso primeiro concerto de Throes + The Shine. Estava em vigência Rockuduro, o primeiro LP de originais do grupo e, depois de meia hora/quarenta e cinco minutos de um dos mais acelerados sons que já tinha ouvido, ganhei o nobre direito de dizer que já fiz um moche em frente a um coreto engalanado de brilhantes e purpurinas… ao som de rock-kuduro.
Por mais marcante que isso tenha sido, o mundo gira, coisas mudam, e André do Poster e Diron (notáveis frontmen do projeto) tinham deixado a bitola bem alta. Nada mais que inovação e carácter se pedia de um próximo trabalho e Mambos de Outros Tipos veio mostrar que foi exatamente isso que eles nos deram.
O novo álbum dos T+TS volta a ter muamba como prato principal, mas ganha novos sabores. O principal fator que os distinguiu (e ainda distingue),a pioneira junção de rock com ritmos africanos, continua viva e de boa saúde, se bem que revisitados: o rock passa a saltitar entre o punk (“Mambo”), característico do primeiro trabalho, e o progressivo, com especial destaque para a autêntica locomotiva que é a bateria de Igor Domingues (veja-se “T’ambora Bom”). O kuduro mais linear de antes, evolui e começa a tocar no funaná. A junção soa estranha, mas acreditem, é venenosamente contagiante. Ouvimos também uma maior aposta na distorção e nos sintetizadores, com faixas como “KinBona Aldeia”. Resumindo, temos em mão um festival de cowbell, precursão, riffs agressivos, animação e, basicamente, festa. Festa rija. Throes + The Shine estão mais maduros, mais divertidos e menos pesados: a evolução sentida entre os dois trabalhos é notória.
Mas tudo de bom tem algo de mau… a repetição… essa traiçoeira armadilha. A sonoridade entre faixas, se bem que mais eclética que em Rockuduro, continua a não surpreender. Nada. Temos música que sim, é bem-feita e faz sentir, mas depois de ouvir três faixas seguidas quase nem precisamos de ouvir mais. Tenhamos calma, também: Se há coisa que os Throes+The Shine provaram com estes dois trabalhos é que não são discretos no que toca à vontade de progredir, por isso, com o tempo, certamente esta situação irá ficar mais afinada.
Contudo, contínuo sem saber bem de onde nasce o “moche”. Sei que já estive em vários, que é um fenómeno de brutalidade e testosterona exaltada e ainda que devemos sempre encontrar o tipo maior e pôr-nos sempre atrás dele. Esses são os básicos elementares da moche”sofia”, mas para quem realmente vive aqueles momentos suados e revoltos, sabemos que é um momento de libertação, de afirmação, de felicidade… enfim, um momento musical puro. Uma pureza feliz que sentimos com Mambos de Outros Tipos dos Throes + The Shine. Uma felicidade cheia que estes kambas não se acanham em distribuir generosamente.