Com o lançamento do novo álbum Oficina, André do Audio é o convidado desta semana do Altamont para uma entrevista.
Altamont: André, como descreves o teu processo de composição?
André do Audio: Cada canção é um momento kodak (dedilha uns acordes), associado à altura, à pessoa…as minhas cenas saem-me e vou escrevendo. Às vezes já existe a letra e depois vem a música… outras alturas existe a música e vão saindo vocalizações, sons, que dão em palavras, canalizando o que eu estou a sentir na altura. Daí o momento kodak! Ao ouvir aquela música, sou transportado para lá, é uma forma de viajar no tempo. Entretanto fui-me apercebendo qual era o tom com o qual me sentia melhor, e percebi… o que eu curto é este som (dedilha mais uns acordes) e então deu nisto (toca e canta a música “bom bom”). Chegar à música, é bem mais fácil que torná-la numa canção… há muitas formas de o fazer.
Como é que surgem as letras? São palavras que surgem, depois formas as frases e os versos ou por exemplo estás a beber um copo de vinho, dá-te a inspiração e lembras-te de fazer uma música?
Depende, há músicas que se vão construindo. Quando toco vou cantarolando por cima e depois vou encaixando as palavras, vão surgindo sons que dão verbos normalmente espontaneamente. Faço o caminho que a música quer que eu diga. Noutros casos, por exemplo no “Quem Foi?”, foi um dia em que estava a ir para o trabalho e na altura estava a trovejar, a letra surgiu-me, depois é que veio a música. Não há processo de composição determinado, é um prolongamento da alma, um sentimento que acontece.
E as letras falam do quê?
As letras são suficientemente dúbias para que cada pessoa possa identificar-se ao ouvi-las. Porém, falam das minhas experiências, do que vejo em Lisboa – de onde sou – no nosso país, no mundo dos humanos.. mas só eu sei do que estou a falar… Cada pessoa pode tirar de lá, coisas que lhe são pessoais. Por exemplo, eu ando de transportes públicos e neles, surgiu-me a letra da música Vê a vez” (começa a trautear) “ Então não vês que no Metro só quando o Metro passa é que corre ar… Na paragem de autocarro, só vais nesse autocarro se houver lugar…e na rua a palavra que circula é que quem tem filhos mal os pode cuidar…””; portanto, fala de mim, fala de todos os utentes.
Achas que o sucesso da música passa pelas pessoas identificarem-se pessoalmente com a música?
Sempre. Apesar da “chewing gum”, onde só há uma “palavra chave” mas onde tudo muito bem feito, polido, dá às pessoas aquilo que é mais fácil ouvir, cola-se-nos involuntariamente…. é produzida só para vender. Os próprios artistas muitas vezes nem sentem aquilo que estão a cantar. Outra coisa, é as pessoas de facto, poderem identificar-se através da vibração da música e da própria letra…
Já vais no terceiro álbum? Os outros foram editados?
Sim. Dois EPs e com este LP já vou no terceiro em português, mais os anteriores. Todos editados digitalmente, através da Nmusic, Meo Music, Amazon, Spotify, Google play, Itunes etc… Podes ter fácil acesso através da minha app gratuita , e do site .
Como é que encaras a edição dos álbuns nestas plataformas digitais em que o artista quase não recebe royalties?
Acho que faz sentido para artistas mundiais que geram uns bons milhões de “plays”, o que ainda dá uns royalties significativos. Para os outros será um meio de divulgação para concertos pois é daqui que vem hoje em dia o rendimento dos artistas.
Fiquei curioso em relação ao nome do teu álbum, Oficina. Porquê Oficina?
Oficina é o meu “estúdio”, são os transportes públicos, è a minha cabeça… a minha ideia foi sempre este nome, devido à forma e aos sítios onde o processo de criação acontece. A minha vontade desde o início, foi fazer um álbum folk… simples. Depois o álbum foi crescendo e ganhou as várias influências vindas dos meus albuns anteriores. O Rock do “Lazy Ratz” , músicas e produções, minhas e do meu grande amigo João Cruz – com quem aprendi mesmo muita coisa; o Folk do “The Little Folks”; os Sintetizadores e Programações do “ Land of Loud Devotion”, e o Pop do “Myself Together”. A partir daqui passei a barreira do inglês e comecei a cantar em português
Essa passagem do inglês para o português, o que é que te fez mudar de língua?
O inglês vinha daquela nossa sina da altura que era – e que ainda hoje temos – tudo nos chegar numa língua estrangeira… há pouco proteccionismo nacional, passou-se do oitenta para o oito. O que ouvíamos era em inglês. E o cantares em “estrangeiro” é muito bom para te protegeres. Porém, por vezes, e já com as letras em português, tomas opções estéticas que normalmente dão em dizerem-te: “não se percebe o que dizes”, e então quando se ouve em inglês? Só indo buscar a letra….
Houve uma dada altura em que achei que deveria passar essa barreira da lingua respeitando o tempo que isso leva…também só neste ultimo álbum é que aparece a minha cara… portanto tem sido uma conquista gradual, a de perder a vergonha e assumir a responsabilidade.
Como é que é a relação que tens com a editora, dão-te total liberdade de composição ou tens algum registo que tens de cumprir?
Dentro do panorama nacional tenho ideia de serem um pouco fechados e que isto só dá para alguns… Mas não sei bem, pois no meu caso não tenho editora, componho, interpreto, produzo, misturo e masterizo tudo, faço edição de autor e depois entrego a uma distribuidora digital – a Nmusic. Entretanto estou com a Rossio Music Publishing, que me representa.
As letras fazem-me lembrar Sérgio Godinho, a métrica, a maneira de cantar, foste beber alguma coisa a ele ou é uma mera coincidência?
Neste caso específico é uma mera coincidência, apesar de gostar de o ouvir, e ter respeito pelo músico, escritor, poeta.
Todas as pessoas que ouvem o teu disco acham muito eclético em termos musicais. Onde é que te focaste mais?
Bem, acho que o óbvio é o rock, a música tradicional portuguesa e um pouco de reggae… e o folk. O meu instrumento preferido é a guitarra acústica, apesar de tocar todos os instrumentos nos álbuns – menos a bateria que são samples e programações. O uso do ukulele dá, além de alegria, uma onda bem popular. sendo um “filho” do cavaquinho. É um instrumento mais popularmente usado neste momento por exemplo pelo Eddie Vedder no seu projecto a solo. Mas tem tudo a haver com as nossas raízes. O “Oficina” resulta da aculturação musical que fui tendo ao longo do tempo, e tudo aquilo que me sai, vem sem filtros.
Nas tuas músicas sentes que tens a necessidade constante de melhorar e de perseguir a perfeição?
Isso faz-me lembrar a estória do pintor que ao longo dos anos não conseguia acabar o seu único quadro, pois como estava em constante evolução sentia-se insatisfeito com o resultado final. Entretanto outros pintores, que podiam não ser tão bons, foram sempre de quadro em quadro, acabando-os, e conseguiram no final, ter uma obra vasta em que por exemplo 20 dos quadros eram optimos. O que interessa é o caminho!
Tento gravar as minhas inspirações, embora nem sempre consiga… há muita coisa que se perde, mas há sempre uma constante necessidade de desabafar e registar os tais momentos kodak. O mais importante é trabalhar e chegar a um resultado final sem ficar demasiado tempo preso a um tema. Gostava que de repente se ouvisse a minha música na rádio e ter aquele sentimento, “aquela música fui eu que fiz”…
Como é que foi a aprendizagem de tocares todos estes instrumentos presentes no disco?
Eu sempre toquei guitarra, sempre que via um teclado à frente não me sentia estranho com aquele instrumento mas nunca o dominei; o baixo não foi dificil de pegar por causa da guitarra…e fui desenvolvendo. O ukulele, vai na mesma óptica… As programações da bateria são feitas consoante a necessidade que eu tenho, às vezes através de loops outras vezes sou eu que faço os samples e programo.
André, profissionalmente sei que estás também ligado ao som, fala-nos um pouco mais de ti…
Eu sou sonoplasta, é o meu trabalho diário. Fui tentar aprender som para gravar as minhas bandas… e depois foi a profissão que me descobriu.
Já vi o teu videoclip e achei muito interessante e original. Como tiveste essa ideia?
Foi feito com o que tinha. Uma camera, um sofá, uma casa. Foi gravado em plano único ( com a ajuda do meu pai ); tive de correr de um lado para o outro para trocar de instrumentos, roupa e estar nas áreas limites, para não haver problemas na montagem final, feita por uma amiga, a Zhanna Sandulyak. … Vejam que está giro.
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