Foi o 40º aniversário daquela manhã primaveril em que a liberdade saiu à rua. No Lux, a festa fez-se com o revisitar do disco que foi revolução antes dela o ser. Os Sobreviventes, disco e manifesto de Sérgio Godinho, foi descontruído e reconstruído por B Fachada, Minta e João Correia, que mostraram que uma crítica tão certeira para a altura pode ainda hoje viver, com a mesma actualidade.
Os primeiros acordes de “Que Força É Essa” destravavam as ancas e cordas vocais ansiosas do público, que esperava desesperadamente o regresso aos palcos desse mui amado e odiado cantautor que é Bernardo Fachada, ausente desde o final de 2012. A balada sobre a exploração que soava pela sala começava a espelhar, na música e na crítica, o Portugal de então e de agora. Depois de “A-A-E-I-O”, que espalhava o bom ambiente e o intimismo, e de “Descansa A Cabeça (Estalajadeira)”, entrava em palco “O Charlatão”. Interagindo directamente com o público, que silenciou em coro a canção, todos se deixavam embalar pelo groove, imediatamente antes de “Paula”, uma valsa quente e reconfortante pela belíssima voz de Minta, que ficou por sua conta uns minutos.
“Que Bom Que É”, protesto feito hino sarcástico e triunfal foi de novo uma razão para fazer ressoar o fervoroso coro que enchia o andar de baixo do Lux. “A Linda Joana”, que no disco é só instrumental, revelou a sua beleza não só na melodia como na letra cantada pelo renascido B Fachada. “Cantiga Da Velha Mãe E Dos Seus Dois Filhos” soava à Primavera que Abril traz consigo, não só no clima como no sopro de alívio que veio com a Revolução dos Cravos. O fim estava perto, quando a requintada “Romance de Um Dia Na Estrada” despertava os casais que dançavam, desfrutando de toda a liberdade a que tinham direito. “Aprende a nadar companheiro / Que a maré se vai levantar”, cantavam os três músicos em conjunto com o público bem-disposto, bem composto e bem satisfeito, numa versão de “Maré Alta” ligeiramente diferente da que se ouve no disco.
Os músicos saiam felizes do palco, cheios de palmas e assobios que pareciam não ter fim, pedindo mais músicas, incluindo “Deus, Pátria e Família”, conhecido pedaço de intervenção musical directa saído da mente de B Fachada em 2011, na véspera das eleições. O trio maravilha lá voltou pra mais um par de canções, de cravo no Pianet, desta vez não d’Os Sobreviventes mas “Engrenagem”, de José Mário Branco e uma segunda “Maré Alta”, mais curta e rodeada de percussão e vozes reunidas na mesma luta que há quarenta e três anos se fez música. Na penúltima canção antes do adeus, fez-se especialmente notar a hipnotizante perfeição rítmica de João Correia, o toque feminino de Minta e o estilo de B Fachada, ao qual o mesmo já nos habitou ao longo dos últimos anos.
Os quarenta anos do 25 de Abril de 1974 foram assim celebrados,em união e alegria, ao som de canções que já em 1971 iam dando sinais de uma resistência bastante forte e segura dos ideais pelos quais lutava. No Portugal de 2014, Os Sobreviventes é ainda uma obra impressionante, não só pela qualidade lírica e musical mas pelo facto de poder perfeitamente ser aplicada aos dias de hoje.
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(Fotos: Francisco Fidalgo)