O disco de estreia de Syd, Fin, é uma pérola esquecida do R&B contemporâneo.
Syd começou como DJ nos Odd Future, o colectivo de hip-hop underground – e iconoclasta! – por onde passaram nomes como Tyler, the Creator, Frank Ocean e Earl Sweatshirt. Até que em 2014 fundou os The Internet, banda de R&B alternativo, onde canta, escreve, produz e enrola joints para o pessoal. Até que, em 2017, com vinte e quatro anos, decide estrear-se a solo. Em boa hora o fez porque Fin é um bonito disco de soul moderno, com doze canções irrepreensíveis, 37 minutos de classe e elegância.
Não há pachorra para artistas contemporâneos que fingem que são o Otis Redding e a Aretha Franklin, fossilizando a música negra americana. Fin não cai nessa armadilha, com o seu travo fresco a século XXI, como os salpicos trap que atravessam o disco. Ao mesmo tempo, não tropeça na cilada de sentido contrário, de renegar a (inescapável) herança que a precede. Quando vem a calhar, pisca o olho, sem qualquer pudor, e bem, ao neo-soul jazzístico de Erykah Badu ou ao R&B maroto de Aaliyah (com as suas batidas sumarentas à Timbaland). É nesse equilíbrio entre modernidade e tradição que Fin se passeia.
A produção é esparsa e depurada, sempre de fino bom gosto, colocando a bonita voz de Syd no centro de tudo: negra e doce, íntima e sensual, rouca e aveludada ao mesmo tempo. Não é um prodígio técnico, com não sei quantas escalas de amplitude, mas dribla maravilhosamente as suas limitações, com uma contenção refinada que diz muito com muito pouco.
Syd actualiza uma tradição vetusta no R&B: o soul de cama, há décadas a promover o fabrico de novas crianças. O seu falsete sussurrante e sedutor cumpre esse serviço público inestimável. Não interessa que o ponto de vista seja o de uma mulher desejando outras mulheres, há qualquer coisa de universal na tusa humana. Nem há nada de abertamente político nas suas letras queer, apenas a expressão natural e descomplexada dos seus afectos. O R&B lânguido e charmoso só ganha com estes novos cambiantes de sensualidade.
Syd passa grande parte do disco alternando entre a bazófia cool e a luxúria sexy. Mas no último tema, “Insecurities”, baixa a guarda e assume uma inédita vulnerabilidade. A sua voz, antes distanciada e blasé, é agora intensa e sofrida. Como se nos confessasse que a anterior bravata não passava de um verniz que agora estala. Este epílogo, de uma comovedora honestidade emocional, torna todo o álbum mais humano. Um disco que acaba em xeque-mate obriga-nos a reapreciar todas as jogadas anteriores…