Depois do sucesso comercial que The Marshall Mathers LP foi, Eminem concede-nos outra obra-prima que também figurará na lista dos discos mais influentes do hip-hop.
The Eminem Show, o quarto álbum de estúdio do artista, apresenta, mais uma vez, o seu problemático alter ego Slim Shady.
O disco arranca com uma das minhas preferidas, “White America”, onde uma feroz crítica à sociedade americana que, com uma atitude estridentemente supérflua, estava mais preocupada em atacar artistas e comentar escolhas de vestuário, consideradas indecentes, do que procurar apurar razões que levam adolescentes a cometer atos atrozes; tema já abordado no seu disco anterior.
Como os anos 2000 eram conhecidos por transmitir o teledisco de várias músicas na MTV, o mesmo sucedeu com “White America”. Aqui, vemos panfletos do artista como procurado, como um criminoso enquanto o presidente da época, George Bush, dá um discurso em frente à Casa Branca; uma escolha arrojada, uma vez que esta era uma altura delineada por um patriotismo intenso. O rapper aparece, também, de fato e gravata e pronto para discursar, tal como um presidente o faria, numa das imagens de lançamento do disco.
Essa música aborda, ainda, a forma como a sua arte é constantemente alvo de críticas, e como o próprio rapper é tomado por “white trash”; “Let’s do the math, if I was black, I woulda sold half I ain’t have to graduate from Lincoln High School to know that but I could rap, so fuck school, I’m too cool to go back give me the mic, show me where the fucking studio’s at When I was underground no one gave a fuck I was white. No labels wanted to sign me, almost gave up, I was like “Fuck it, ” until I met Dre, the only one to look past gave me a chance and I lit a fire up under his ass.”
As respostas, mais uma vez, direcionadas a quem o critica estão presentes em “Soldier”: “I love pissin’ you off, it get’s me off like my lawyers, when the fuckin’ judge lets me off All you motherfuckers gotta do is set me off I’m violatin’ all the motherfuckin’ bets be off I’m a lit fuse, anything I do bitch is news Pistol-whippin’ motherfuckin’ bouncers 6’2″ Who needs bullets? As soon as I pull it, you sweat bullets, an excellent method to get rid of the next bully It’s actually better, ‘cause instead of you murderin’, you can hurt ‘em then come back again and kick dirt at ‘em It’s like pourin’ salt in your wounds, assault and get sued, you can smell the lawsuits as soon as I waltz in the room.”
Tal como Martin Scorsese no cinema, Eminem interpreta a raiva como um sentimento normal; afinal, como o mesmo afirmou em entrevistas, ninguém vive eufóricamente feliz o tempo todo. Para ele, a utilização de letras agressivas funciona como uma espécie de terapia, uma forma desinibida de libertar todo o stress, oriundo da pobreza extrema que ultrapassou e dos horrores da fama.
“Never was a gangster, ‘til I graduated to one and got the rep of a villain, for weapon concealin’, took the image of a thug kept shit appealin’” remetem, de certo modo, para a
infância do rapper em Detroit. Uma nostalgia tingida pela turbulência, não só a da
adolescência, mas do tumulto da negligência por parte dos pais e por ter de se criar,
praticamente, sozinho numa cidade com problemas sociais eminentes; foram estas mesmas raízes que originaram alguns das críticas estabelecidas ao longo da sua duradoura carreira, que, em pleno 2023, conta com mais de 20 anos.
Os problemas familiares não deixam de ter o seu destaque neste disco. Em “Cleanin’ out my closet”, a fúria transcende e aterra em Debbie Mathers, a sua mãe. Ao longo da música, o artista vai desenterrando esqueletos antigos que o marcaram profundamente.
Uma das músicas mais genuínas e sentimentais, que não poderia deixar de mencionar, é “Hailie’s Song”. Poderias acusar o artista de várias atitudes menos corretas, de momentos onde a sua paciência se esgotou e de comentários desnecessários que foram transmitidos em vídeo, mas algo de que não podemos acusar Eminem é de ser mau pai. Depois de batalhar, cerca de um ano, com a sua ex-mulher, Kim, o rapper americano consegue a custódia partilhada da sua filha mais velha.
O próprio sempre fez questão de lembrar o público que existe uma diferença drástica entre a sua figura pública e o Marshall, o seu próprio ser. A persona imatura e controversa com cabelo platinado sai de cena no momento em que as cortinas descem; em casa, Marshall é o tipo de pai que falta a uma cerimônia de prémios para adormecer a ver desenhos animados com a sua filha no sofá.
“Hailie, ‘member when I said If you ever need anything, Daddy would be right there? Guess what-Daddy’s here And I ain’t going nowhere,baby I love you”, é, na mais simples das palavras, uma carta de amor para a sua filha, algo já recorrente em “‘97 Bonnie and Clyde” (The Slim Shady LP) e em “Mockingbird” (Encore).
Em “Till I Collapse” existe uma espécie de ode ao hip-hop. Num discurso, algo motivacional e semelhante ao seu mais aclamado hit “Lose Yourself”, o rapper americano admite que independentemente, das críticas continuará a seguir a sua paixão.
“’Till I collapse I’m spilling these raps long as you feel ‘em ‘Till the day that I drop you’ll never say that I’m not killing ‘em ‘Cause when I am not, then I’ma stop penning ‘em And I am not Hip-Hop and I’m just not Eminem.”
Eminem não seria ele próprio se não atacasse ferozmente algumas celebridades com as suas letras. De volta às críticas a celebridades pop, e anos antes de “Obsessed” ter sido criada, Eminem abordou a sua passageira relação com Mariah Carey. Em “Superman”, que conta com a participação de Dina Rae, ataca a cantora de singles natalícios depois da mesma ter negado a relação entre os dois. Mais tarde, em concerto, o rapper transmitiu áudios de todas as suas conversas privadas.
É em “Without Me” que o artista volta a vestir a pele de super herói. Fã ávido de banda desenhada desde criança, o rapper deixa ao seu encargo, bem como a Dr Dre, a esgotante tarefa de salvar o mundo com a sua música. A habilidade que Eminem possui de construir uma história cativante nuns meros cinco minutos é o que o faz os seus álbuns tão especiais; cada minuto vale a pena e não apenas para os fãs de hip-hop.