Amadou & Mariam já deixaram de ser um segredo bem guardado no Mali e são actualmente um tesouro internacional. A prová-lo está o álbum Folila, que tem convidados como os TV On The Radio, Nick Zinner dos Yeah Yeahs ou Santigold. Os discos anteriores foram produzidos por Manu Chao e Damon Albarn. Não creio, portanto, que a simpatia que o Ocidente tem por Amadou & Mariam venha apenas do facto de serem um casal de invisuais, muito queridos em palco. Eles afirmaram-se (ou melhor, exclamaram-se!) pela música.
E trouxeram a Lisboa um bocado do seu Mali e de toda a sua Africanidade.
O concerto desta 5ª feira foi uma verdadeira celebração. Folila quer dizer Música, na língua materna dos nossos Amadou Bagayoko e Mariam Doumbia. Mas Folila está muito perto de Folia, e foi exactamente disso que se fez concerto na mais nobre sala de Lisboa.
Amadou canta e toca guitarra, Mariam canta e abraça Amadou, e são acompanhados por um percussionista frenético e um baixista cheio de onda. Em segundo plano, um baterista e um teclista, fracas figuras, que pouco acrescentam à história. A narrativa que interessa centra-se nos 4 africanos que estão na linha da frente do palco.
O concerto começou perante uma plateia ordeiramente sentada e silenciosa, mas bastou apenas uma música e meia para que toda a gente se levantasse e se colasse à frente do palco.
Os ritmos quentes e afroviscerais que saíam do palco não se coadunam com uma plateia sentada de perna cruzada. Esta música entra directamente nos ossos, obriga-os a dançar, mesmo quando os músculos não querem acompanhar.
E assim se seguiu, durante quase duas horas de concerto. Em palco, as músicas ganham uma dimensão bem diferente do disco, mais espaçosa, várias vezes descambando em jam session com sotaque a África profunda. Essa chamada às raízes veio muitas vezes do percussionista, um verdadeiro entertainer, que não só tem um ritmo alucinante (deve dar aí umas 15 batidas por segundo), como pôs o público todo fazer percussão. Os vocalistas normalmente lançam uma frase, e o público repete-a, cantando. Neste caso, o homem do djambé dava um ritmo, e obrigava-nos a repetir, com palmas. E funcionou!
De resto, Amadou é o maestro e dá o mote com as suas guitarradas. Mariam, mais discreta durante grande parte do concerto, a acompanhar os cânticos, só mais perto do fim tomou na voz o protagonismo, numa interpretação de arrepiar, numa música dedicada ao seu cherie.
Amadou & Mariam deram um grande concerto, organizaram uma excelente festa que, pela música, aproxima Lisboa e Bamako, Ocidente e África profunda.
É pena que ainda sejam poucos os casos de bandas tradicionais africanas a entrar pelo ocidente a dentro e a tocar nas salas mais nobres das capitais europeias. Mas a verdade é que vai começando a aumentar o fluxo e isso é de saúdar.
No mais rítmico continente deste planeta existirão milhares de músicos talentosíssimos, que carregam nos dedos uma herança, uma tradição e uma alma fascinantes, mas que nos escapam por falta de informação, ou de vontade em buscar essa informação.
Graças a gente como esta de que aqui falámos, estas barreiras vão começando a esbater-se e a interligação musico-cultural vai crescendo. Pelo caminho, vamo-nos deliciando com pérolas como Folila, que já é o 6º disco de Amadou & Mariam.
(mais fotos deste concerto aqui)