Só agora que a pessoa mais cool do mundo é meu quase vizinho, frequentando os cafés e livrarias que frequentei, se assemelha a algo de mortal. Mas a primeira vez que ouvi o seu novo trabalho foi mesmo em Portugal, na ZdB, há uns meses.
Encontrava-se Thurston no vestíbulo desta galeria, a olhar para uns livros como quem afaga um cãozinho. Recentemente confessou numa entrevista que o que gostaria de estar a fazer mesmo era a trabalhar na livraria da ZdB (que lírico). Na altura estava com a minha mulher, que não sabia mesmo quem eram os Sonic Youth, e, assim que viu os Adidas cor-de-rosa do Thurston, iguais aos dela, teve a certeza de que deveríamos chamar ao nosso filho Thurston. Certezas de mulher grávida, adensadas pelo fabuloso concerto. Tenho inveja de quem ainda não foi exposto a certos prazeres na vida: ler o Crime e Castigo pela primeira vez, ver um filme do Herzog sem saber quem é o senhor, ouvir o Daydream Nation por acaso. Fi-la ver que a minha avó não conseguia dizer Thurston e que isso a deixaria triste. Por outro lado, em português Thurston seria talvez Tristão, e aí ela disse que não. Contudo foi um concerto memorável que me trouxe aquilo que espero encontrar na arte: o sentimento de esperança.
Costumam acusar-me de ser demasiado inflexível no que toca a música, de não gostar de nada excepto do raro. Confundem-se os princípios que me regem com os do «hipsterismo». Nada tenho de hipster. Tenho um emprego das 9 às 5, perco duas horas diárias em transportes públicos, chego a casa e mudo fraldas, vejo a Peppa Pig com a minha filha e adormeço no sofá nos primeiros cinco minutos da décima tentativa de ver o ultimo filme do Jarmusch (que de resto me parece ser uma grande merda).
O que é bom é raro, é o problema; se isso é assim com tudo na vida, por que haveria de ser diferente com a música? Estou pronto para afirmar que o rock teve um período de interesse nas décadas de 50 e 60, pouco mais. Neste momento, e no que toca a rock e suas ramificações, não existe nada que valha a pena ouvir que não o deixado pelos Sonic Youth e agora Thurston Moore. Não me venham com outras merdas que não estou interessado. Não é preconceito, é conclusão.
Curiosamente, antes de ouvir o The Best Day, atentei ao novo álbum do Lee Ranaldo, com uma certa ânsia de ver o que aquele maluco que se dizia ser o único verdadeiro musico dos SY andava a fazer. Achei-o horroroso. Incompreensivelmente mau. Ranaldo certamente bateu com a testa num candeeiro de rua e decidiu que queria fazer música para conas moles. Puta que o pariu.
Já Thurston Moore, depois do fim do casamento mais cool do mundo e de sempre (como se isso me interessasse), veio para Londres continuar com o que evidentemente mais gosta de fazer na vida: rock experimental. The Best Day lembra-me (às vezes em demasia) aquele que é para mim um dos melhores álbuns dos SY, Murray Street. Ao contrário de todos os outros, Murray Street foi precisamente arquitectado em solidão por Thurston numa guitarra acústica. Ora The Best Day também, segundo o próprio. Lembra-me a máxima do Lou Reed dos tempos dos The Velvet Underground: «mais que um acorde é acorde a mais.» Percebo perfeitamente o que ele quis dizer. Gosto da reverberação de um acorde em loop, de ir registando subtilezas de variações, as vezes introduzidas pelo músico, outras pela nossa imaginação. Talvez a primeira vez que me apercebi disso foi com o álbum Psychic Hearts (o primeiro a solo de Moore) na musica «Blues from Beyond the Grave». «Checkem». Gosto da ideia de uma estrutura primária onde tudo o resto se agarra e o pensamento se evade. Gosto de trance, de William Basinsky e do filme Gerry pela mesma razão. Gosto também da quebra súbita e dissonante, lembrando-nos que nem tudo é cristais.
Thurston não se esquece contudo que rock é pujança e também para isso não dispensa o Steve Shelley, que lhe atira com a força e inteligência do costume. Thurston não receia ser um sénior armado em rocker. É o total oposto das cirurgias plásticas do Mick Jagger, alimentadas pelo desejo revivalista da desesperada classe media, que agora até pode colocar fotos no Facebook da sua presença no respectivo concerto, blusão de ganga e tudo.
Belíssimo texto.