A Steady Drip, Drip, Drip é o mais recente disco dos Sparks. A particular arte pop teatral da banda ainda mexe e Ron e Russell continuam a fazer discos bastante curiosos.
Os irmãos Mael já por cá andam há algumas décadas. Seguramente que num primeiro momento não nos passará pela cabeça que estes dois rapazes possam ser do tempo dos Doors, por exemplo, e que com eles tenham chegado a partilhar alguns palcos. Pois é, o tempo passa e a estranha arte musical dos Sparks tem passado ao longo dos anos de forma segura, muito segura mesmo, voltando a estar entre as páginas das críticas de jornais e revistas de forma mais assídua e vibrante sobretudo depois de lançarem o ótimo Lil’ Beethoven, em 2002. No entanto, é injusta a referência única a esse álbum, uma vez que na sua discografia há outras obras muito dignas de graça e respeito que é sempre bom lembrar. Para que a lista não fique demasiado longa, referimos apenas alguns dos que estão mais distantes no tempo, e outros que se encontram mais próximos dos dias que correm: Kimono My House (1974), Propaganda (também de 1974) e Indescreet (1975), todos com mais de quarenta anos nas pernas, e os bem mais recentes Hello Young Lovers (2006), Exotic Creatures of The Deep (2008) e Hippopotamus, de 2017. Se a estes discos juntarmos ainda o que fizeram a meias com os Franz Ferdinand (FFS, de 2015), então perceberemos que os Sparks ainda não perderam a chama.
A imprevisibilidade é um condão dos Sparks. Marca registada, até. Em A Steady Drip, Drip, Drip esse sinal tão distintivo volta a estar presente praticamente em todas as catorze canções do álbum. Há de tudo um pouco: desde a beatlesca “All That”, bonito tema acústico de abertura, ao glam new wave de “I’m Toast”, segunda faixa do disco. A propensão lírico-teatral do duo também não poderia deixar de dizer presente, sobretudo nos temas “Stravinsky’s Only Hit”, “The Existential Threat”, embora também em “Onomato Pia”, esta num registo mais dançável e menos histriónico dos que as duas primeiras. Se é certo que o tipo de música feita pelos Sparks está muito longe do que hoje mais se ouve e mais passa nas rádios, também não deixa de ser verdade que para os ouvidos mais curiosos e habituados ao que os irmãos Mael fazem há muito, um novo disco dos norte americanos apresenta-nos sempre inúmeros desafios, desde logo em termos de estilo. O estilo de A Steady Drip, Drip, Drip é apenas um: estilo Sparks. Por isso, há, como referimos, um pouco de tudo, até um tema festivaleiro à Festival da Canção, que mesmo assim não deixa de se escutar com agrado, como é o caso de “Let Out In The Cold”.

Outra coisa curiosa nos álbuns dos Sparks é aquilo que Ron E Russell cantam, as letras dos seus temas. Ouça-se, por exemplo e com a devida atenção as canções “iPhone” e “Please Don’t Fuck Up My World”. Na primeira, canta-se “Adam said to Eve / Repositioning his entire leaf / I have many things that I need to say / And I wish that that snake would go away / Shall we take a walk, shall we have small / Couples type of talk / It appears that I’m not much getting through / It appears that you’ve something else to do / Something else to do / Put your fucking iPhone down and listen to me”, numa (hipotética) crítica à modernidade celular dos tempos. Na segunda, os versos “Please don’t fuck up my world / I need something to live for / Rivers, mountains, and seas / No one knows what they’re there for / Still, it’s easy to see / That they’re things to be cared for” revelam bem a preocupação ecológica que o mundo deveria ter, mais do que verdadeiramente tem.
Ouvir A Steady Drip, Drip, Drip é um prazer. Como acontece com muitos dos discos (todos?) dos Sparks, este recente trabalho não é para se ouvir em repeat todos os dias, mas para a ele voltarmos apenas quando nos apetece ouvir Sparks. A música da banda é exigente, sempre assim foi e assim permanece. No entanto, parece inegável que os velhinhos ainda sabem tocar na chincha.