Eram tempos de mudança, aqueles anos do início da década de oitenta. Os caminhos musicais eram muitos, variados e até algo inusitados. Os Soft Cell foram a prova disso e Non-Stop Erotic Cabaret um perfeito exemplo de um certo (e insólito) desalinhamento musical.
Mesmo sabendo que a maioria daqueles que gostam de passar os olhos pelas páginas do Altamont não irão ter em conta este texto, decidimos, mesmo assim, avançar com a sua redação. Os gostos são mesmo assim, inclinações, propensões, prazeres que escapam, por vezes, a lógicas que julgamos conhecer e ter em conta de forma peremptória. O que pode escapar a esse encadeamento e a esse rigor que julgamos infalível é, muitas vezes, uma outra forma de deleite, de gozo e de satisfação. E nós, por uma espécie de vergonha mais ou menos consentida, dizemos tratar-se de um guilty pleasure. Quem não os tem, mesmo que não os confesse? Sim, aquele que não tiver pecado, que atire o primeiro… disco. Aqui vai um, então. E bem bom.
Estávamos no final do primeiro ano de 1981, nos últimos dias de novembro. Margaret Thatcher ia no segundo ano do seu reinado e o movimento punk ainda mexia, dando os seus (quase) últimos suspiros. Começava a haver agitação e descontentamento nas ruas. A política da iron lady fazia as suas primeiras vítimas e o conservadorismo mostrava-se pronto e preparado para durar, quando duas figuras fizeram história no Top of the Pops (“a couple of guys from Leeds”, como anunciou o apresentador), de seus nomes Marc Almond e Dave Ball. Juntos, os rapazes faziam-se atender por Soft Cell. Estão recordados? Claro que sim, independentemente dos século em que nasceram, supomos nós.
Depois do relativo falhanço do primeiro single (“Memorabilia”, que não entrou no LP), “Tainted Love” teve claramente outra sorte, e com ela, como que por arrasto, o álbum Non-Stop Erotic Cabaret também. A versão dos Soft Cell do tema originalmente gravado por Gloria Jones atingiu o primeiro lugar dos Tops de várias partes do mundo. Em Portugal, a canção também fez grande sucesso e a banda acabou por ser uma one hit wonder dos anos 80. No entanto, não é justo pensar que nesse álbum, tão profundamente estranho e bizarro, só “Tainted Love” merece menção. Longe disso. À distância de tantos anos, olhar para Non-Stop Erotic Cabaret é uma forma de fazer justiça a um trabalho que influenciou muita gente ao longo de décadas. Ouvimo-lo há pouco e podemos garantir que continua a mostrar os trunfos que fizeram dele um incontornável marco sonoro.
Lembrar “Tainted Love” sem pensar também em “Say Hello, Wave Goodbye” será um esquecimento sem perdão. Aliás, este segundo tema é perfeito para colocar um ponto final em qualquer álbum em que pudesse aparecer. Para além da estética synth-pop–punk que percorre todo o disco, Non-Stop Erotic Cabaret vale também por toda a estética e por todo o imaginário lascivo e decadente que testemunha. Adorado pela comunidade gay (o ano de 1981 é marcado pelo aparecimento do AIDS, convém não esquecer), o primeiro longa duração dos Soft Cell tem ainda mais alguns temas interessantes, como “Sex Dwarf”, tão polémico quanto dançante, “Seedy Films”, transbordante de fumo e sordícia, mas também “Bedsitter”, que apesar de bastante datada (aquelas drum machines não enganam), ainda se ouve com algum nostálgico prazer. Pena que “Torch” não tenha entrado no álbum, uma vez que é um extraordinário tema, mas saiu apenas como single em maio do ano seguinte.
A voz de Marc Almond e o seu estilo que mistura tanta coisa (cabaret berlinesco, Jacques Brel, Scott Walker, David Bowie, Juliette Greco, Nico e até Lou Reed, entre outros) fizeram história e influenciaram inúmeras bandas e artistas vindouros. A lista é enorme, como saberão, desde os seus contemporâneos The Human League, por exemplo, até aos industriais Nine Inch Nails ou aos indies The Magnetic Fields.
Assim sendo, e se lhe apetecer voltar um pouco atrás no tempo, ponha a tocar Non-Stop Erotic Cabaret e pode ser que a viagem seja agradável. É, quer queiramos, quer não (leia-se quer gostemos, quer não) um álbum icónico, com canções icónicas e com uma capa icónica. Até porque, se a audição não estiver a resultar e não lhe apetecer ir até ao fim, poderá sempre ser fugaz como os versos que dizem “say hello, then wave goodbye”.