Sticky Fingers é uma peça central na discografia dos Stones. Não é tão mítico quanto Exile on Main Street, que se lhe seguiu, por exemplo, mas é um exemplo perfeito de uma banda em evolução, isto vindo de uma banda cujo som não mudou assim tanto em 50 anos de carreira.
É um disco marcado por factos novos, que ajudam a explicar por que razão é especial.
Em primeiro lugar, saiu dois anos depois do óptimo Let it Bleed: nunca, desde o início em 1964, os Stones haviam demorado dois anos a editar um disco. Há vários motivos para isto: Altamont e todo o caos mediático que se lhe seguiu; problemas legais com o primeiro agente; a morte de Brian Jones em 1969, deixando o grupo órfão de uma figura tutelar; a crescente dependência da heroína por parte de Keith Richards.
Em segundo lugar, é o primeiro disco, lá está, sem Brian Jones. O contributo musical deste para Let it Bleed havia sido praticamente inexistente, é um facto, mas Jones era ainda um Stone aquando da gravação desse disco.
Em terceiro lugar, é o primeiro disco de uma nova década, a segunda da carreira da banda e, tendo em atenção a forma como os anos 60 terminaram, simbolicamente, no desastre do festival de Altamont, havia uma energia diferente, e não necessariamente boa, no ar.
Em quarto lugar, uma mudança fundamental: a entrada de Mick Taylor como guitarra solo, que muito havia agradado a Keith Richards. Por um lado, libertava-o de algumas tarefas enquanto guitarrista, depois do desaparecimento de Jones; por outro, Taylor – vindo da banda de John Mayall – era um excelente executante e muito criativo, pelo que ajudou a dar uma nova cor e profundidade ao som dos Stones. “O facto de termos o Mick Taylor nessa digressão certamente contribuiu para dar aos Stones uma nova coesão, pelo que fazia todo o sentido gravar Sticky Fingers com ele. E a nossa música mudou, quase inconscientemente. Mesmo sem dar por isso, quando eu compunha estava ciente do contributo que ele podia dar à canção. Além disso, queria arranjar-lhe alguma coisa que ele curtisse mesmo e não o ramerrame do costume – que era o que lhe davam o John Mayall e os Bluesbreakers – , o que me levava a procurar ideias frescas. Alguns dos temas de Sticky Fingers baseavam-se no facto de eu saber que o Mick Taylor se sairia com algo em grande”, revela Richards na sua magnífica autobiografia, “Life”.
Em quinto lugar, foi o disco no qual os Stones reataram contacto e uma profícua colaboração com Bobby Keys e Jim Price, uma secção de metais que trouxe nova luz ao som da banda, especialmente o saxofonista Keys, que se tornou grande amigo de Richards para o resto da sua vida. Nasceram a horas de distância: Richards em Dartford, Inglaterra, e Keys no grande estado americano do Texas. Devido aos seus excessos, Jagger chegou a expulsar Keys da banda, durante muitos anos. Tudo sanado mais tarde, por intervenção de Keith: Bobby Keys esteve em palco no Rock in Rio deste ano, com os seus adorados Stones.
Em sexto lugar, é o primeiro disco do grupo editado pela Rolling Stone Records, uma parceria do grupo com a Chess Records, com a distribuição a cargo da Atlantic Records, dirigida pelo incontornável Ahmet Ertegun, um homem da indústria mas que tocou fundo no coração de centenas de músicos ao longo dos anos.
Gravado sobretudo em dois períodos distintos – parte em 1969 no mítico estúdio Muscle Shoals, no Alabama – e o restante no novo estúdio móvel dos Stones em Inglaterra, reúne canções de uma época particularmente fértil em termos de composição. Basta dizer que, das sessões para Sticky Fingers, foram gravadas várias versões preliminares de músicas que acabariam no disco seguinte, o seminal Exile on Main Street. Uma palavra também para a capa, desenhada por Andy Warhol, mais um sinal de que os Stones estavam atentos não apenas ao sul dos EUA, mas também à Nova Iorque mais vanguardista.
Face a Let it Bleed, Sticky Fingers é mais nocturno, mais eléctrico, mais variado, ao mesmo tempo aprofundando as pistas dos discos anteriores: a balada fantástica, o blues encharcado em suor do delta do Mississipi, o riff assassino e infalível que fez, ao longo dos discos, a carreira dos Stones, até hoje.
Em termos de faixas, os destaques são bastante óbvios: acima de todas está “Brown Sugar”, o tal riff implacável que faz um clássico instantâneo; “Wild Horses”, a balada que é um exemplo clássico e estrondoso da colaboração Richards/Jagger; “Sister Morphine”, com a colaboração da então companheira de Jagger, Marianne Faithful, na letra; e o clássico country “Dead Flowers”, que conheceu toda uma nova vida no reportório do fantástico cantautor texano Townes van Zandt.
É, de todas as formas, um disco muito completo, que se ouve bem, ainda hoje, do princípio ao fim. Foi número um em inúmeros países e deu aos Stones o balanço para partirem para a aventura do exílio em França, onde viriam a gravar a obra-prima da banda, Exile on Main Street.
E foi, sobretudo, uma enorme prova de vida de uma banda sempre à beira da ruptura, mas que se mantém até hoje. Depois de todo o caos dos anos anteriores – droga, morte, egos e disputas legais – os Rolling Stones estavam vivos e prontos para uma nova década, na qual fariam alguns dos discos mais indispensáveis da sua longa discografia.
O próprio Richards inclui o disco na “espinha dorsal” do percurso dos Stones: Beggars Banquet, Let it Bleed, Sticky Fingers, Exile on Main Street e Goat’s Head Soup, todos no período 1968-1973.