
20 de Dezembro 2012. B Fachada dava um dos seus últimos concertos antes do hiato – o último concerto em Lisboa. Era véspera do fim do mundo mas, naquela noite, o Fim era outro. O nosso querido Tio B despedia-se com um até depois que ninguém sabia até quando teria efeito. Ainda nem tinha ido embora e já deixava saudades. À beira-rio, no B.Leza, Bernardo Fachada enchia o coração dos fãs mais devotos com trovas e cantares da sua carreira toda, pra que ninguém saísse dali descontente. E ninguém saiu.
Quase ano e meio passado, numa bruma de mistério que parecia não desaparecer, a esperança voltou qual Dom Sebastião. Com menos de duas semanas de antecedência, era anunciado o regresso de um dos maiores cantautores portugueses do século XXI. A data estava marcada para 8 de Maio, naquela Galeria no Bairro Alto que tem no coração de muitos melómanos um lugar privilegiado. Um lugar mágico, onde nascem sempre histórias dos melhores concertos, das cenas mais insólitas e intimistas.
Convidado para aquecer o público, um tímido Éme apresentava, simples, as suas canções. De guitarra eléctrica ligeira em riste, ia verbalizando as mais caricatas situações, enquanto o público inquieto se ia rindo de uma ou outra graça. Entrava em palco o esperado Fachada. Alguns assobios começavam a ser ouvidos, imediatamente abafados pelo rapaz-já-homem que acabava de pisar o palco, devolvendo o protagonismo ao convidado.
“Vamos lá aquecer”. Já de palco completamente tomado, o protagonista da noite dava ares da sua graça, antecipando “Zé!”. Retirada do primeiro disco “a sério” do artista, funcionou como um afirmar da sua posição como músico. “Quando eu cheguei não tinha nada e agora sou dono de mim” seria a ideia que queria transmitir neste grande regresso. Galhofão, risonho e acabado de cantar uma canção da sua “fase chachadas”, passava para a alegre “Quem Quer Fumar com o B Fachada”, que novamente teria as rédeas tomadas pelo público, em coro. Passou um ano e meio do Fim, vários desde as primeiras canções, mas toda a gente ainda as tinha na ponta da língua.
“Tó-Zé”. Voltávamos a ser meninos. Enganos, risos, trocar “B Fachada” por “Fachada” nas canções, a deixar todos desprevenidos e confusos. O Fachada estava de volta, com as manhas de sempre mas com uma felicidade renovada. “Vamos despachar já isto”, dizia, deixando todos a salivar pelo segredo que estaria prestes a ser revelado, o trabalho de um ano e meio de pausa. Contava-nos como tinha feito as pazes consigo próprio por necessidade, já que tinha de tocar músicas antigas por ainda não ter muitas novas prontas a serem apresentadas. “Eu sou o pai das canções e vocês a mãe…e fazer filhos sem os pais juntos é impossível”. Um “Estar à Espera ou Procurar ” antecedia a primeira de uma mão cheia de cantigas frescas, embrionárias, à espera da mãe pra serem criadas. Um “Estar à Espera ou Procurar” que dispensava microfones – era o público quem melhor se fazia ouvir.
Irrompia sala adentro uma marcha popular que depressa a todos despertou a curiosidade. “A polícia fica louca quando a canção cabe na boca”. Esteve desaparecido mas não esteve parado. Apresentava-nos um punhado de canções de protesto, de quem se andou a preparar – e bem – para um regresso triunfante. Cantigas de provocação, que misturavam electrónica com samples de música interventiva dos anos 70, num regresso ao tipo de som que já tinha sido criado em 2012 com Criôlo. Menos africano que o disco mencionado e mais português, fandangos e letras acutilantes e agressivas preenchiam as canções que mudavam a presença do artista para uma mais séria e concentrada. Referências às ditaduras e ao poder fascista eram envoltas em melodias curiosas, que misturavam guitarras portuguesas arranhadas em vinil com kizombas tribais e composições desengonçadas e repletas de contratempos.
O génio estava de volta. Feitas as apresentações ao que aí vem, regressava ao passado com “Não Pratico Habilidades”, um meloso matar de saudades feito pop ligeiro, modesto e íntimo. “Mais uma pra vocês cantarem”, era a vez de “Kit de Prestidigitação”, mais uma daquelas que toda a gente sabe – como todas as que foram cantadas, em coro e em fervor. “O que vale é que as mães nunca se esquecem de alimentar os filhos. Obrigado, amigos”. Um Fachada reinventado, sem B, emocionado e profundamente agradecido.
“Casa do Manel” mais uma vez nos fazia regressar à infância, com uma guitarra distante e chorona e uma voz próxima e reconfortante. Por fim, uma versão forte e comovente, em Português (ou seria Fachadês?), da canção “This Is Your Land”, de Woody Guthrie. “De Alfama a Salvaterra / da Mata do Buçaco às águas vicentinas / Esta é a nossa terra”, iam todos cada vez cantando mais alto, num hino de união que arrepiou e fez chorar as pedras mais duras. Mimados e já perdidos no número de encores, o público era levado ao êxtase com uma “É Normal” despida e simpática, apenas com o Pianet a fazer a linha de baixo e uma “Afro-Xula” gritada e sentida por toda a gente.
Fachada está aí e está pra ficar. Com ou sem B, a canção foi a mesma e teve tempo pra ganhar ainda mais força. A Primavera chegou mais uma vez, amigos.
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(Fotos gentilmente cedidas por Vera Marmelo)