Ao quinto álbum, os R.E.M. saíam das condutas subterrâneas do college rock, subindo ao mainstream. A pop, como nós a conhecíamos, chegara ao fim.
Ora então temos: 1983 – Murmur; 1984 – Reckoning; 1985 – Fables; 1986 – Pageant. Álbum a álbum, a galinha enche o papo, subindo sempre mais um patamar de público conquistado. Quando em ’87 chegam ao quinto degrau, o vasilhame do college rock torna-se pequeno demais para a sua dimensão, transbordando para o mainstream. Sendo Document disco de platina, e subindo “The One I love” ao nono lugar da tabela de singles, os R.E.M. abandonam para sempre o seu nicho de banda de culto. Os hipsters da altura nunca perdoarão a traição, acusando-os de se terem vendido. Os antigos darlings do college rock são agora proscritos das rádios universitárias. O moralismo indie é tão parvo como outro qualquer…
E porque é que Document teve tanto sucesso? Em primeiro lugar, pela sua inventividade melódica. Melodias como as de “The One I love”, “It’s the End of the World as We Know It (and I Fell Fine)” e “Exhuming McCarthy” são imaginativas e viciantes, colando-se de imediato no nosso córtex auditivo. A produção de Scott Litt fez o resto, com o seu som nítido e radio friendly, trocando os subtis arpejos de guitarra à Byrds por riffs roqueiros, e arrastando tudo à frente com uma bateria sonante e poderosa.
“The One I love” é uma obra-prima da concisão literária: “Esta é para aquela que eu amo / esta é para aquela que eu deixei para trás / um simples adereço para ocupar o meu tempo / agora ela está só / fogo”. Com pouco mais do que trinta palavras, Michael Stipe traça uma anatomia completa da culpa e do remorso, partilhando connosco o seu amarguíssimo fel. Ao mesmo tempo réu, juiz e carrasco, Stipe castiga o seu crime com uma ordem de fuzilamento afectivo, “fire!”, numa vã tentativa de redenção. Não é habitual no mundo da pop tamanha exposição emocional.
A brutalidade de Michael Stipe não se dirige só para dentro. Sobeja raiva suficiente para a ingerência dos Estados Unidos na América Central (“Welcome to the Occupation”) e o chauvinismo de Reagan (“Exhuming McCarthy”) não ficarem esquecidos. Aliás, a primeira canção do álbum (a ácida “Finest Work Song”) define o tom político que atravessará todo o disco: “the time to rise has been engaged”… Sim, os R.E.M. podem ter agora um som mais acessível, mas os seus dentes políticos nunca estiveram tão afiados.
A grande pérola do álbum é “It’s the End of the World as We Know it (And I Feel Fine)”. Na altura, a malha mal beliscou a tabela de singles, mas com o passar dos anos tornou-se num clássico, sempre muito requisitado nas pistas de dança. A sua prosa espontânea de livre associação é assumidamente devedora da “Subterranean Homesick Blues” (de Dylan) e da tradição beat que a inspirou; contudo, a chuva de palavras é agora tão torrencial que os discípulos se podem orgulhar de terem ultrapassado os seus mestres.
Claro que o sucesso comercial de Document teria que ditar a saída dos R.E.M. da independente I.R.S. Records, e a sua passagem para uma major. A Warner Brothers foi a felizarda. Emancipados por fim da camisa-de-forças do college radio, os R.E.M. estão prontos agora para conquistar o mundo. Não desperdiçarão a oportunidade.