Lifes Rich Pageant foi um disco de transição. Mais declaradamente pop do que qualquer dos seus discos anteriores, o álbum conta com temas gloriosos como “Fall On Me”, “Cuyahoga” ou “Swan Swan H.” Um autêntico tesouro!
Quando saiu, em 1986, Lifes Rich Pageant era o mais orelhudo dos álbuns que a banda de Athens havia produzido. Isso nunca me pareceu um problema, longe que estávamos ainda de outros trabalhos que fariam dos R.E.M. uma planetária banda de estádio. Era também o seu quarto longa duração. Depois dos extraordinários Murmur (1983), Reckonning (1984) e Fables of The Reconstruction (1985), isto se não contarmos com o interessante ep de partida intitulado Chronic Town (1982), Lifes Rich Pageant representou um notório passo em frente no triunfal caminho que a banda vinha a trilhar. Dado a conhecer em finais de junho do referido ano, o disco competia com outros fortíssimos trabalhos de outros fortíssimos artistas, fazendo de 1986 um ano de exceção no universo da música alternativa. Vejamos alguns exemplos: The Queen Is Dead, Evol, The Colour of Spring, Graceland, Skylarking, Talking With The Taxman About Poetry, Kicking Against The Pricks ou Bouncing Off The Satellites são álbuns que, de tão conhecidos, nem precisamos de lhes acrescentar os nomes dos músicos que os fizeram. Para todos, incluindo nesse lote, necessariamente, Lifes Rich Pageant, a história da música guardou um especial lugar. As razões que estão na base desse particular reconhecimento crítico dado ao disco dos R.E.M. são óbvias, e podem ser ditas em poucas ideias.
Uma primeira referência à desconcertante capa do álbum. Dividida horizontalmente em partes quase iguais, duas imagens: um pormenor de metade da cara de Bill Berry, o baterista, e um detalhe de dois búfalos, talvez para que se perceba tratar-se de uma geografia sonora norte-americana. O conjunto, no entanto, resulta estranho e curioso ao mesmo tempo.
Depois, a música, cheia de força, galopante de energia. “Begin The Begin” abre o disco de forma quase celebratória, assim continuando em “These Days”, com guitarras sugestivas a marcar o ritmo sempre vibrante e aceso. A seguir, uma pequena desaceleração para a espantosa “Fall On Me”, um dos melhores momentos que preenchem os quase trinta e nove minutos do álbum. Lifes Rich Pageant é um disco abertamente político, preocupado e atento com os problemas ambientais e com um certo mal-estar político que dominou o mundo nessa segunda metade da década de oitenta. “Cuyahoga” pode ser um bom exemplo disso, bastando recordar o seu verso inicial: “Let’s put our heads together and start a new country up”. É, para além do mais, uma fantástica canção. Como também é “The Flowers of Guatemala”, de uma melancolia inicial que aos poucos vai tentando levantar a cabeça até se afogar de novo no espírito de tristeza que percorre todo o tema. Mas as marcas da América mais rural também se fazem notar, mesmo que a espaços, mesmo que em pequenos detalhes, como nos segundos iniciais de “I Believe”, em que um bonito banjo faz a a entrada para outro dos melhores momentos de Lifes Rich Pageant. Se vivêssemos num mundo justo e perfeito, “What If We Give It Away” teria sido um hit à escala mundial. Ainda hoje a canção consegue colocar em mim um largo sorriso, sempre que a ouço. A caminho do fim do álbum, as duas últimas paragens merecem destaque obrigatório. “Swan Swan H.”, tema sobre os difíceis tempos da guerra civil americana (a Guerra da Secessão), é outro instante de enorme valia. Adoro como Michael Stipe a canta. Até que chega “Superman”, cover que a banda resolveu fazer de uma antiga canção dos The Clique (banda dos anos sessenta), quase sem alterações, mantendo-a maioritariamente intacta nas melodias e nos ritmos. Um final perfeito para um disco a roçar esse mesmo patamar.
Como já aqui referi, Lifes Rich Pageant é um disco de transição para outros campeonatos que os seguintes Document (1987) e Green (1988) ajudaram a cimentar até ao big bang que representou Out Of Time (1991). Mas isso é terreno para explorar nos próximos episódios do Especial R.E.M. aqui no vosso Altamont… Até lá!