Um dia antes da chegada de George Bush à Casa Branca, os R.E.M começam a sua oposição com um registo que irá moldar a sua entrada na década de 90.
Mil novecentos e oitenta e oito. Espraiados no imenso território norte-americano, os ultra-liberais capitalistas administram a gleba a seu bel-prazer e é difícil sentir o eco até do mais cicioso frémito de oposição «democratizante» que incomode a sua marcha triunfal. O pináculo da oposição a Thatcher e Reagan eclode, como quase sempre acontece, nos meios artísticos e universitários. Assim como na década de 60, quando a oposição às teorias pós-estruturalistas de pendor profundamente reaccionário haviam virado para a libertação radical do corpo e o regresso ao compromisso com o sensorial, os anos 80 viriam emergir um conjunto de movimentos artísticos de cariz popular que iriam tentar menear violentamente o establishment.
No Reino-Unido a oposição teve a sua morada nos subúrbios operários de Manchester, com os The Smiths como porta-vozes do protesto. Do outro lado do Atlântico coube aos R.E.M esse papel. Refutando a insularidade da pop vigente, alheia às preocupações sociais, decidiriam reincorporar na sua obra uma perspectiva socio-política, marca de água do punk da década transacta.
Surgidos no dealbar do ano de 1980 em Athens, no estado da Georgia, e dispostos a cristalizar a sua influência no panorama alternativo do Rock americano, os R.E.M, sob a batuta de Michael Stipe, cedo viriam a conquistar o interesse dos movimentos estudantis da época.
Murmur (1983), Reckoning (1984), Fables of the Reconstruction (1985), Lifes Rich Pageant (1986) e Document (1987) granjearam relativo sucesso ao colectivo americano mas foi com Green (1988) que a consagração foi conseguida.
Com efeito, o ano de 1988 constituiu um marco para a banda. Green tornar-se-ia a sua piéce de resistence, ficando adstritos à gigante Warner Brothers, desvinculada que estava a I.R.S., Michael Stipe e os seus acólitos acabariam por colher os frutos do risco que haviam tomado já que Green escalou as tabelas de vendas, alcançando a dupla-platina.
Parte da peculiaridade associada ao álbum deve-se ao jogo de cadeiras encetado pela banda. Peter Buck repescou o bandolim perdido algures na folk seráfica britânica da década de 70, Bill Berry largou momentaneamente o seu kit de bateria e pegou na guitarra-baixo e Mike Mills migrou para o teclado. O resultado foi um registo fonográfico coerente e com um discurso narrativo que não recusa a veia de transmissão do pós-punk.
Green é um disco de transição no trilho percorrido pelos R.E.M, tendo uma pegada no passado mas todo o corpo apontado para o futuro. Acerca do álbum, a Pitchfork diria “If nothing else here sounds quite like anything R.E.M. had done in the past, it still sounded undeniably like R.E.M”.
Os exemplos não se esgotam. “Pop Song 89” principia o registo e serve de intróito no qual se relata aquele momento frívolo em que somos traídos pelo nosso cérebro e vamos ao encontro de alguém que juramos já nos termos cruzado. O estribilho evoca temas que se tornaram cavalos de batalha na vida cívica de Stipe “Should we talk about the weather?/ Should we talk about the Government?”.
Depois deste início auspicioso muitos se perguntaram se seria este o diapasão pelo qual os R.E.M afinariam a sua carreira. A resposta seria retorquida num bocejo. “Stand in the place where you live/ Now face north/Think about the direction/Wonder why you haven’t before”. Destacam-se aínda algumas malhas tais como “You Are The Everything” e “Get Up” que, de forma aglutinadora, angariariam uma legião de jovens esclarecidos à volta da banda e que aqui encontravam um colectivo com o qual comungavam estética e politicamente.