Tenho o silêncio em muito boa conta. Há mesmo momentos em que não prescindo da dose certa desse vazio, digamos assim. Por isso, tenho ainda em melhor conta o silêncio musicado deste disco. Chama-se Queen Elizabeth 2: Elizabeth Vagina (Head Heritage – HH2 – 1997) e é o segundo projecto de Queen Elizabeth. Julian Cope e Thighpaulsandra gravaram-no em 1997 e referiram-se ao disco como “5 Neo-Republican Studies of the Great Goddess Rising”. É um disco duplo, de tiragem limitadíssima, uma das raridades da minha extensa coleção. Tenho-o a dobrar: as duas edições que foram feitas de Elizabeth Vagina (a de edição limitada a que me refiro neste texto, e também a outra, de 2002, e que ainda se pode adquirir com alguma facilidade) são bens preciosos, sobretudo para aqueles momentos onde o silêncio é necessário, imperativo, quase sempre durante certos períodos da noite em que toda a casa dorme e em que o vazio ganha uma dimensão física quase insuportável. Nesses momentos, Elizabeth Vagina consegue manifestar o seu máximo propósito: permitir que o ouvinte pertença a um outro espaço, a um outro tempo que não tem nome nem lugar.
Parece-me certo que este disco não é para ser desfrutado todos os dias, e mais seguro ainda que não é aconselhável a ouvintes mais cantarolantes. A dificuldade da obra é notória logo ao ouvirmos os seus primeiros minutos. Até digo mais: ouvir a totalidade do álbum, de seguida e sem interrupções, é uma façanha épica, mas que vale a pena pelo conforto que dá, quando digerida no dia e no momento certos. O disco 1 abre com “Eisteddfod 69” (Eisteddfod é um festival galês de música, literatura e performance, cuja origem remonta ao século XII, e que nos tempos mais recentes se tem imposto como um acontecimento cultural de grande importância), e desde logo sabemos ao que vamos. Durante pouco mais de 22 minutos a nossa cabeça percorre ambientes tranquilos, hipnóticos até, se nos predispusermos a tanto. Depois, num registo mais pulsante, temos mais 21 minutos e picos no tema “Tal-y-Fan” (local onde se pode encontrar um magnífico stone circle, a 610 metros do nível do mar). A finalizar este primeiro momento, o esmagador “Callanish” e os seus 33 minutos exatos de um quase silêncio aterrador. Depois, é só mudar o disco, se ainda houver coragem para prosseguir a odisseia, e entrar em “Temples of Ker” (mais 13 minutos e pouco) para sair em “The Dianaver”, uma autêntica wall of sound de quase 48 minutos terapêuticos. Como fui fazendo notar nestas breves linhas, o tempo conta, e conta muito mesmo, em Queen Elizabeth 2: Elizabeth Vagina. Não nos podemos esquecer que esta terapia sonora vive desses longos momentos de exigente entrega, e na verdade nada se consegue sem a interiorização desse desiderato. Para os amantes de música ambiental (pensem, por exemplo, em alguns trabalhos de Brian Eno e de David Sylvian e estarão ainda um pouco distantes desta realidade) há aqui material sonoro a explorar. O efeito de massagem auditiva sentido ao longo do disco pode causar efeitos secundários irreversíveis! Fica o aviso, para quem se quiser atrever.
Muito bom o texto.