Jorge Palma, um dos mais talentosos, únicos e celebrados músicos do nosso país, tem um currículo discográfico extenso, mas não tanto quanto os seus anos de carreira poderiam indicar.
Destacamos, desta feita, Só, de 1991, que está agora a ser alvo de uma bem necessária redescoberta, cumprindo-se os 25 anos da sua edição original. Só é um disco especial sob vários aspectos. Na prática, nessa altura, acabou por funcionar como um verdadeiro ‘best-of’, uma vez que é composto por alguns dos mais conhecidos temas da sua carreira até então. Com uma particularidade: foi todo gravado live, apenas voz e piano, ou seja, é um documento de uma reinterpretação dessas 15 músicas.
Esse formato, com um Jorge Palma acabado de concluir o Curso Superior de Piano e desejoso de o aplicar à sua obra, acaba por corrigir alguns tiros menos certeiros do passado. É que vários discos de Palma dos anos 80, ouvidos agora, chocam-nos um pouco pelos seus arranjos datados, um pouco como Leonard Cohen parecia boicotar voluntariamente algumas das suas melhores canções com escolhas estéticas algo discutíveis. Em Só, o que temos é a canção pura, seca, voz e piano, com um som límpido, pessoal, inimitável.
O disco sai no início da década de 90, que acabou por marcar um pouco algum desnorte ou desfocagem na produção discográfica de Jorge Palma. Se, nos anos 80, saíram cinco discos de Palma, nos anos 90 só viríamos a ter dois, e de carácter diferente. O já mencionado Só e a excelente aventura dos Palma’s Gang que, com Ao vivo no Johnny Guitar pegou nos seus temas em formato banda rock. De resto, dois discos colectivos com os Rio Grande. Um disco de originais de Jorge Palma foi coisa que os anos 90 não viram.
Só acabou, de resto, por funcionar como um olhar para trás, um resumo em versão depurada da matéria dada, que marcou o início de um longo silêncio, demasiado longo para um autor querido do público português e que este redescobriu mais tarde.
Em termos de alinhamento, é praticamente só grandes temas, clássicos grandes e pequenos, sempre num ambiente íntimo que nos obriga a ouvir as palavras, as sempre excelentes palavras de Palma. Temos “Só”, é claro; temos o grande êxito radiofónico “Frágil”; temos “Estrela do Mar” e “Canção de Lisboa”, “Bairro do Amor” ou “Essa Miúda”; enfim, temos uma torrente de emoções, um arrepio de talento. Mas um talento que não nos fala de alto, um talento que nos toca, uma humanidade de um tipo que finge ser um gajo normal, um gajo que conta histórias que são ou podiam ser nossas.
No meu caso, e no caso de muitos amigos daqueles que ainda trazemos dentro de nós e pela mão, Só foi uma companhia de muitas noites e de muitos anos. Os amores, os desamores, o medo, a busca, a dúvida, de tudo isso Só foi banda sonora e, ouvindo de novo o disco, tudo volta mas de forma diferente, como se olhássemos agora, já longe, para quem um dia fomos e que ainda habita, escondido, cá dentro.
Jorge Palma revisita, ao vivo, este maravilhoso disco, em concertos no CCB (28 e 29 de Novembro), na Casa da Música (1 de Dezembro), no Convento de São Francisco em Coimbra (6 de Dezembro) e no Teatro das Figuras em Faro (10 de Dezembro). Uma oportunidade de ouro para mergulharmos de novo no mundo intimista desta figura maior da música portuguesa.
“Enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar”. E ainda bem.