Numa noite bem fria e ventosa, Mike Love e os seus “Beach Boys” trouxeram um pouco do calor da Califórnia, num concerto carregado de nostalgia e de boas vibrações.
O dia parecia começar bem. O calor regressava a um verão invulgar, quase como celebrando o regresso de um Beach Boy a Portugal (dois, vá, Bruce Johnston já merece esse estatuto também). Chegados ao recinto dos Jardins do Marquês, em Oeiras, composto por dois palcos (num deles, o “Nortada”, houve actuação da banda MPB Roda de Dois e dos portugueses Taxi), quem vinha preparado apenas com a camisa havaiana viu-se aflito pois o vento estava cortante. Mas isso não impediria Mike Love, Bruce Johnston e os restantes “Beach Boys” de darem um concerto bastante satisfatório, com um repertório de quase 40 músicas, percorrendo, principalmente, a fase mais pueril da banda outrora liderada pelo génio Brian Wilson.
Para a maioria da crítica, os Beach Boys que interessava ver já tinham passado por Portugal aquando do NOS Primavera Sound, em 2016. Em 2007, a sua estreia esteve marcada para o festival Vilar de Mouros, lamentavelmente cancelada poucas semanas antes por diferendos de verbas entre organizadores e Câmaras. No entanto, apesar da genialidade de Brian Wilson, especialmente com Pet Sounds e Smile, os Beach Boys nunca seriam a força criativa e, sobretudo, não teriam o rigor e disciplina de banda ao vivo, sem a persistência e qualidade de voz de Mike Love, primo de Brian, Carl e Dennis Wilson. Os Beach Boys sempre valeram pela sua qualidade de harmonias e melodias e Mike Love foi chave para este sucesso. Prova disso são os inúmeros êxitos que a banda teve antes de Brian Wilson se auto-exilar dos concertos e começar a ser só escritor de canções. Coube a Mike Love e aos restantes elementos manter a rolar a máquina ao vivo e é aqui que começa a entrar Bruce Johnston, pois substituía Brian nos concertos.
Mais de 60 anos após o seu primeiro single, “Surfin'”, lançado em 1961, Mike Love continua a levar a chama dos Beach Boys por esse mundo fora, em tours longas, com concertos de quase duas horas e com quase 40 canções. Mesmo que agora estejamos perante uma espécie de banda tributo aos Beach Boys, dado que, dos nove elementos que compõem a banda, só Mike Love (81 anos) é da formação inicial e Bruce Johnston (80) só começou a participar a partir de 1965.
O evento não chegou a esgotar e notaram-se muitas cadeiras vazias, num concerto marcado por uma plateia extensa de lugares sentados, de todo compreensível dada a expectativa da idade de grande percentagem de admiradores da banda. Mesmo assim, todos os que se deslocaram aos Jardins do Marquês puderam surfar na nostalgia dos Beach Boys, que passaram a pente fino praticamente todos os seus grandes êxitos da carreira inicial (“Surfin’ Safari, Surfin’ U.S.A.”, “I Get Around”, “Barbara Ann” ou “Fun, Fun, Fun”), passando pelas gigantes “Sloop John B”, “Wouldn’t It Be Nice”, “God Only Knows” e, claro, “Good Vibrations”. Não faltaram as menos comerciais, mas na mesma importantes, como “Do It Again” ou “Darlin'” e houve ainda espaço para algumas versões, umas que já tinham sido gravadas anteriormente pela banda, como “California Dreamin'”, dos Mamas & The Papas, “Do You Wanna Dance”, de Bobby Freeman e “Rock And Roll Music”, de Chuck Berry” e outras especialmente para esta tour, onde realçamos “Rockaway Beach”, canção dos Ramones. Fechando-se o círculo, pois a banda de Joey Ramone era fã dos californianos.
Outro dos pontos altos da noite foi a homenagem de Mike Love a George Harrison, seu irmão de signo (peixes) e espiritual, tendo o Beach Boy contado como conheceu o Beatle, em 1968, aquando da passagem pela Índia, onde foram para um retiro espiritual. Foi tocada “Here Comes The Sun”, precedida por “Pisces Brothers”, canção escrita por Mike Love, contendo cânticos Hare Krishna, o que pode ter alienado algum do público menos informado sobre as opções espirituais de ambos os músicos, enquanto no ecrã gigante por detrás da banda passavam imagens dos Beatles e de Mike Love em Rishikesh. Aliás, é de referir as excelentes imagens que iam passando no ecrã enquanto a banda tocava, aguçando ainda mais a nostalgia dos tempos passados, com fotografias e vídeos bastante divertidos dos Beach Boys durante a sua longa carreira.
Num concerto dividido em duas boas partes, com um intervalo no meio para o descanso dos mais velhos e menos velhos, Mike Love, Bruce Johnston e os outros sete elementos que constituíram a banda (um deles o próprio filho de Mike, Christian Love), fizeram recordar bons velhos tempos, seja a quem os presenciou, seja aos filhos e até netos, mostrando que a música, especialmente a boa, corre pelas várias gerações. Na retina ficou-nos um bonito exemplo: um pai septuagenário, acompanhado das suas duas filhas, numa comunhão de afectos pela música. Só por estes momentos, já valeu a pena Mike Love e os seus “Beach Boys” continuarem a carregar a tocha e a darem boas vibrações a todos.
Fotografias: Hugo Amaral
Alinhamento:
- Do It Again
- Surfin’ Safari
- Catch A wave
- It’s O.K.
- California Sun (versão de Joe Jones)
- Little Honda
- Rockaway Beach (versão de Ramones)
- Surfin’ U.S.A.
- Surfer Girl
- Getcha Back
- Darlin’
- When I Grow Up (To Be a Man)
- You’re So Good To Me
- Good To My Baby
- In My Room
- Don’t Worry Baby
- Little Deuce Coupe
- 409
- Shut Down
- I Get Around
- Califórnia Dreamin’ (versão dos Mamas & The Papas)
- Sloop John B
- Wouldn’t It Be Nice
- California Girls
- Kiss Me Baby (cantado com Ambha Love)
- Why do fools Fallen In Love
- God Only Knows
- Pisces Brothers (canção de Mike Love)
- Here Comes The Sun (versão dos Beatles)
- Then I Kissed Her
- Do You Wanna Dance
- Rock And Roll Music (versão de Chuck Berry)
- Help Me, Rhonda
- Kokomo
- Good Vibrations
- Barbara Ann (versão dos Regents)
- Fun, Fun, Fun