Toda a música baseia-se numa dinâmica entre a inclusão e a exclusão. Arte que não compreendemos exige humildade e abertura de espírito, até que algum domínio conceptual sobre o objecto comece a ganhar forma. Isto é, nem todas as pessoas têm o contexto adequado para apreciar certos tipos de música. A nível individual, os processos de compreensão podem desenvolver-se, com prática de escuta, aquisição de informação e vontade. E existem canções, artistas, estilos, que podem requerer insistência e treino, ou testar o interlocutor na sua vontade de inclusão, seja a nível artístico, seja a nível pessoal. E há aqueles casos em que bandas se cansam de certas canções, deixam de tocá-las e excluem o público das vontades do artista – Radiohead a demorar 20 anos para voltar a tocar a “Creep”, é apenas um exemplo.
Uma característica do Primavera Sound, além dos artistas de compreensão mais imediata – mesmo em linhas alternativas -, é a do cartaz incluir muitos nomes mais herméticos ou obscuros. Artistas que, não obstante a credibilidade que tenham, não são para toda a gente. Nem no passado, nem agora. No Primavera Sound, não é apenas o cartaz que tem gosto e qualidade: o próprio público também.
E é isso que permite que aconteçam dias como o de ontem, o terceiro deste ano, em que tudo foi incrível. Em qualquer festival de música, ou noutro evento de qualquer espécie, se um terço dos espectáculos for excelente, já será memorável. Quando essa percentagem roça os 90%, contando com um concerto perdido – do fenomenal Bob Mould, marcado para muito cedo -, existe uma sensação de satisfação incomum.
Boredoms
No sentido do binómio inclusão/exclusão, o Primavera Sound será dos poucos festivais de rock do mundo nos quais os nipónicos Boredoms iriam tocar. A fama, têm-na. Os fãs existem, mas certamente o fenómeno não é massificado. O público que os viu, mostrou que sabia o que estava a ouvir. Aqui não existe espaço para falsas credibilidades.
Dizer que Boredoms é noise, seria redutor. E o engano mais frequente reside em considerar que os sons produzidos pelos Boredoms não são organizados. Na verdade, a música de Boredoms é altamente estruturada – o que faz com que seja verdadeiramente assombroso que consigam interpretá-la ao vivo como o fazem. Muito amor para Eye Yamatsuka e para Yoshimi Yokota. Mas Yojiro Tatekawa é um baterista absolutamente incrível e comparável, tanto na entrega como na forma, a John McEntire. Isto porque os Boredoms actuais são menos rockeiros e mais jazzísticos, passe a livre comparação. Dito isto, nunca percam Tortoise… e, se tiverem essa rara oportunidade, nem Boredoms.
DâM-FunK
Autolux
Brian Wilson apresenta Pet Sounds
Venom
O Primavera Sound tem a capacidade de trazer artistas extremamente relevantes nos mais diversos géneros. É assim no rock, na dream pop, no shoegaze, no hip-hop e também no metal. Os Venom são uma das primeiras bandas de heavy metal de sempre. Quem tem saudades do Lemmy de Motörhead pode vir saciar-se um pouco aqui, que o tio Cronos ainda tem muito para dar. Um festim de metal clássico incluindo “Warhead”, “Countess Bathory”, as mais recentes “Pedal to the Metal” e “Grinding Teeth” e, para acabar, a primeira canção do primeiro disco, “Black Metal”.
Chairlift
Unsane
Parquet Courts
Nas duas músicas a que assistimos, pareceram desligados da corrente – eles que sabem rockar lindamente. Esperamos que seja melhor no Porto.
Ty Segall & the Muggers
Ty Segall não parece ter outro caminho senão tornar-se uma verdadeira estrela, mesmo que seja evidente que não está muito preocupado com isso. Não é a primeira, nem a segunda, talvez nem a terceira vez, que vemos Ty Segall ao vivo no Primavera Sound. Desta vez, contudo, foi indubitavelmente o concerto de maior magnitude. E a transição é perfeita. Aliás, quase inexistente. Imaginem um artista que dá concertos explosivos numa sala com uma capacidade de cerca de 1000 pessoas. Agora, multipliquem por 15 e mantenham a atitude de quem actua. Foi este o caso exacto de Ty Segall. Independentemente do tamanho do palco, Ty Segall vai rockar exactamente com a mesma energia. Não percam: este menino vai tornar-se uma lenda.
Fotos cedidas por Eric Pamies, Cecilia Diaz Betz, Santiago Periel e Dani Canto