
O último dia do Primavera Sound em Barcelona – aquele que encerra a edição do festival, não o último dos dias de maior magnitude – é marcado por duas fases distintas: concertos à tarde, algures na cidade; concertos à noite, em particular na sala Apolo. E, tradicionalmente, é dos melhores. Diríamos mesmo que, a par da escolha dos cabeças-de-cartaz (sempre no centro da economia de um festival), critérios de importância semelhante são utilizados pelos programadores para seleccionar os artistas que abrem e encerram a edição de cada ano. No dia 0, é habitual existir um nome gigante, em concerto gratuito – depois, em salas mais pequenas, artistas que estarão prestes a tornar-se referências a nível mundial. No dia final, contudo, a escolha tende a recair em artistas que garantam uma saída explosiva. Este ano, o fenómeno voltou a confirmar-se.
Mudhoney
Quem cresceu com a explosão de popularidade do grunge, no início dos anos 90, terá certamente ouvido falar de Mudhoney. A banda de Mike Arm nunca foi particularmente famosa, mesmo que estivesse longe de ser obscura. Por isso, não será de espantar se a maior parte do público tiver um conhecimento enciclopédico do grupo, sem de facto ter ouvido deles mais de dois minutos de música. Não que isso seja necessariamente mau: Mudhoney rocka e sempre rockou, passado ou presente. Para iniciados, um conselho: ignorem a palavra “grunge” e ouçam sem preconceitos. Alinhamento completo do concerto público dentro do CCCB: “Get Into Yours”, “I Like It Small”, “Who You Drivin’ Now”, “Broken Hands”, “This Gift”, “Inside Job”, “1995”, “In ‘n’ Out of Grace”, “No One Has”, “JRRT”, “Touch Me I’m Sick”, “I’m Now”, “The Final Course”, “Chardonnay” e “The Only Son of the Widow from Nain”. Bastante tempo depois, actuaram os Black Lips. Habitualmente, dão excelentes concertos – especialmente, em recintos mais pequenos. Desta vez, um atraso na montagem de palco impediu que assistíssemos, com desgosto, ao concerto.
Ty Segall & the Muggers
Depois de uma actuação insana na noite anterior do festival – que descrevemos no artigo anterior – como um quasi-headliner, Ty Segall voltou a ser o nome escolhido para fechar o Primavera Sound deste ano na sala Apolo, o que já tinha acontecido em 2014. Esse foi um concerto explosivo, tendo mesmo acabado com uma invasão de palco – daquelas orgânicas, mesmo que hoje em dia comece a tornar-se mais comum acontecer. Felizmente, ainda é bastante raro.
Desta vez, bastaram não mais de dez segundos até ao caos total. Terá mesmo sido melhor que há dois anos, a nível de intensidade e execução. Nem em concertos de punk ou hardcore se vê mais de 2 ou 3 pessoas em crowdsurfing simultaneamente; aqui, seriam 5 ou 6. Gente a saltar do palco constantemente, diálogo tolo com o público, presentes para a banda como bebés de plástico… hilariante, mas a verdade é que, estão imparáveis. Ty Segall fica ainda mais forte com os Muggers a apoiá-lo. É evidente que estamos na presença de um espírito livre e raro de encontrar. E, ao vivo, com os Muggers, é quase metal. Sem exagero. Com o fuzz no máximo, quase seriam os mais pesados do festival (a competir com Unsane, Venom e mesmo Drive Like Jehu – nada mau).
O alinhamento incluiu canções do recente disco Emotional Mugger, algumas do aclamado Manipulator (“Manipulator”, “Tall Man Skinny Lady”, “The Singer”) e outras mais antigas, como “Girlfriend” e “Finger”, de Melted.
Ty Segall & the Muggers podem bem ser o concerto mais relevante que se pode ver este ano. Dentro de um grupo vasto de concertos fabulosos neste festival, o de Ty Segall seria o que mais rapidamente recomendaríamos a qualquer pessoa.
The Avalanches
Actuar no Primavera Sound, especialmente depois de estar 15 anos sem actuar ao vivo, não deve ser tarefa fácil. E, depois do concerto de Ty Segall, imediatamente, aliás, é praticamente impossível dar um concerto que importe, mesmo que se mude de género completamente. Por isso, mesmo que não faltem motivos de interesse para ver os Avalanches, não foi o momento adequado para ficar no Apolo e apreciar correctamente o concerto dos australianos.
Chega ao fim mais uma edição do Primavera Sound. Como sempre acontece, o festival não desiludiu e teve momentos de magia pura. Tanto quanto sabemos, não existe outro festival de música assim. Sempre de alma e coração abertos: até para o ano, Primavera.
Imagens cedidas por Dani Canto