
Quando Steve Gunn subiu ao palco do Aquário da Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, na passada terça-feira, a hora ia mais tardia do que o anunciado (o concerto estava previsto para as 22h), porque antes houve um concerto surpresa: o de “Sleepy” Doug Shaw (também conhecido como Douglas Shaw, ex-colaborador de nomes como Cass McCombs e membro dos White Magic) que, com uma guitarra acústica e com os pedais de efeitos que trouxe consigo, foi deixando uma folk hipnótica, eventualmente quase chocante para os puristas, mas suficientemente singular e aprazível para nos surpreender, enquanto o ambiente ia aquecendo.
Seguiu-se, enfim, o nome porque todos esperavam: o do talentoso guitarrista, agora também escritor de canções e “rocker” com estatuto no panorama “indie” (o seu novo álbum, Eyes on the Lines, editado esta sexta-feira, é o primeiro que edita pela Matador, que tem um reconhecimento bastante superior à da relevantíssima Paradise of Bachelors, que editou os seus dois discos anteriores). O concerto serviu para isso: apresentar o novo disco ao vivo. Mas também para recuar até paragens anteriores, matando as saudades que tínhamos dele (em 2015, passou por Portugal mas por Paredes de Coura, não pela capital).
Como nunca tinha visto Steve Gunn ao vivo, não sabia bem o que esperar e questionava-me até que ponto iria transpor a sua música de estúdio para concerto. Acrescia uma dificuldade adicional: ia apresentar um álbum que pelo menos parte do público (no qual me incluo) ainda não conhecia, porque Eyes on the Lines ainda não estava nas lojas (físicas e digitais) quando o concerto se deu.
Dito isto, era difícil ter expetativas claras para o concerto. Uma coisa, contudo, parecia certa: estaríamos sempre a falar de um concerto de um dos mais relevantes nomes da música norte-americana contemporânea, capaz de ligar o rock ao folk, os EUA a África, pelas diferentes paisagens que a sua música visita e pelos diferentes ritmos a que prossegue.
E foi essa qualidade que nos trouxe, rodeado de uma impressionante banda, mostrando algo que, para aqueles que nunca o tinham visto ao vivo mas lhe conheciam o trabalho, cedo ficou evidente: ainda que a sua música tenha sempre presente a ideia de viagem, com longas incursões instrumentais, ao vivo isso expande-se até limites fabulosos, com verdadeiras viagens cósmicas, duradouros solos de guitarra dotados de um impecável bom gosto, improvisos de uma banda profundamente cúmplice que mostram que Steve Gunn tem muito “rock” dentro de si e que nos faz imaginar como soariam uns Grateful Dead com um bocadinho menos de leveza festiva dentro de si (se não seriam parecidos, jogariam pelo menos no mesmo campeonato).
O concerto começou em grande, com duas canções novas já reveladas aquando da data do concerto: “Ancient Jules”, primeiro, “Conditions Wild”, depois. Seguiu-se a magnífica “Milly’s Garden”, seguramente uma das melhores canções feitas nos últimos anos por aqueles territórios. A partir daí seguimos, com Steve Gunn, numa aprazível viagem, da qual sobressaiu desde logo uma música fantástica, de que só hoje, que o disco foi editado, conhecemos o nome: “Park Bench Smile”. Vão ouvir. Melhor, ouçam o álbum todo. Depois voltem. Cá estaremos para vos piscar o olho cumplicemente.
Sleepy Doug Shaw:
Fotografias de Steve Gunn e Sleepy Doug Shaw gentilmente cedidas por Vera Marmelo e Luís Martins