Ao oitavo concerto em Portugal em nome próprio, Peter Hook continua a entreter. Em mais de duas horas de concerto, deu o que o público queria, as canções que o fizeram famoso. Mas vale sempre a pena tentar sentir a presença de Curtis através de Hooky, como se ali estivesse, com a mesma melancolia que transpôs para as canções de Joy Division.
Já sabemos para o que vamos e vale sempre a pena. Ao oitavo concerto em Portugal em nome próprio, o terceiro a que assisto, Peter Hook continua a entreter e emocionar com as mesmas canções que o fizeram famoso. Sem a companhia de Sumner e Morris, provou ter autoridade para fazer uma viagem ao passado durante duas horas e meia sem cansar. Fê-lo de forma organizada, baseando-se nas colectâneas Substance: primeiro, o best of de New Order; depois, Joy Division. Deu ao público o que o público queria, uma mão cheia de canções populares, e mostrou que é uma figura de culto da música britânica. Não precisa de dar mais do que isso para dar um bom serão.
Foi por isso que toda a bancada inferior estava de pé quando o concerto ia a meio. Mas foi difícil arrancar-nos das cadeiras: arrancou com “Regret” e “Procession”, em versões bem tocadas mas sem nos tocar. Nem olá nos dissera. À terceira canção tudo mudou: “Ceremony”, uma das últimas canções escritas com Ian Curtis. A letra que conhecemos é uma interpretação de Sumner às três gravações da canção em que Curtis cantou quase de forma incompreensível, que já tinham um sentimento de elegia: “Watching her, these things she said / The times she cried / Too frail to wake this time”. Do público, veio euforia. Levantou-se e cantou o tema. Estava feito o primeiro grande momento da noite.
A euforia prolongou-se com as canções que se seguiram em catadupa: “Everything’s Gone Green”, “Temptation, “Blue Monday”, “Confusion” e “Thieves Like Us”. Uma “manita” que mereceu “tururus” cantados em coro, danças e saltos. Por esta altura, havia mais gente de pé do que sentada, e Hook estava a conseguir conquistar um auditório que não foi feito para si nem para a sujidade dos The Light.
Como em qualquer história divertida, houve momentos para esmorecer. Até “True Faith” e “Bizarre Love Triangle”, as últimas de New Order da noite, Hook despachou uma série de canções recebidas pela audiência com menos encanto, como “Subculture” e “Shellshock”, que não deixam de estar intoxicadas pelos sintetizadores mais foleiros dos anos 80.
Depois de uma pausa de 10 minutos, não houve tempo para mais sintetizadores. Era tempo de Joy Division, onde as guitarras distorcidas e as baterias rápidas roubaram o protagonismo. Hooky arrancou com “Day of the Lords” e fez o seu caminho pelo Substance. De “Colony” aos primórdios de “Warsaw”, Peter Hook deixou-se de modéstias: Joy Division é popular e ele sabe. Poucos ficaram sentados, poucos dançaram, muitos sentiram o peso do som. Até com “Autosuggestion”, uma desconhecida e experimental canção da banda. A cada “Here” sussurrado por Hook, sentíamos a presença de Curtis. Como se ali estivesse, com as mesmas perturbações, com a mesma melancolia, com a mesma tristeza que transpôs para as canções.
Depois de dedicar “Atmosphere” a Ian, Peter Hook terminou com o suspeito do costume – a letra de “Love Will Tear Us Apart” foi berrada na Aula Magna. É um tema intemporal. Não era a primeira vez que se berrava esta canção: vejam o melhor momento de Nouvelle Vague na Aula Magna em 2008. Arrepiante, tal como foi com Hooky em 2019. É sempre, e vale sempre a pena.
SETLIST
New Order: Regret / Procession / Ceremony / Everything’s Gone Green / Temptation / Blue Monday / Confusion / Thieves Like Us / The Perfect Kiss / Subculture / Shellshock / State of the Nation / Bizarre Love Triangle / True Faith
Joy Division: Day of the Lords / Colony / Shadowplay / Warsaw / Leaders of Men / Digital / Autosuggestion / Transmission / She’s Lost Control / Incubation / Dead Souls / Atmosphere / Love Will Tear Us Apart
Fotografia: Francisco Fidalgo