Todos os que gostam de música e que seguem de forma entusiasmada artistas e bandas, por certo já ouviram ou leram a expressão “the difficult third album”. Lembro-me, há muitos e muitos anos, de a ver impressa na capa do disco Talking With The Taxman About Poetry, de Billy Bragg, e de não saber muito bem o que aquilo queria dizer. Entretanto, fiquei consciente dessa verdade, e desde então tenho uma certa tendência em ouvir com particular interesse os terceiros discos dos músicos de que mais gosto. Manias, como é fácil perceber…
Foi em 1981, tinha eu 14 anos, que ouvi pela primeira vez os Orchestral Manoeuvres In The Dark, que a 8 de novembro lançaram Architecture & Morality, terceiro longa duração da dupla Paul Humphreys e Andrew McCluskey. Fiquei, lembro-me bem, estarrecido com tamanha proeza sonora. Esse espanto, esse encantamento, estão ainda intactos em mim, o que não deixa de ser uma coisa admirável. Depois de um arranque interessantemente pop com Orchestral Manouevres In The Dark, disco homónimo de 1980, e de um segundo disco radicalmente diferente, mais sombrio e cinzento, de magníficas paisagens sonoras de sabor kraut (Organisation, 1980), a banda de Wirral, Reino Unido, conseguiu definitivamente entrar na história da música com o delicadíssimo Architecture & Morality, onde tudo é de uma enorme subtileza estética, e de um arrojado aprumo musical. A par de grandes canções como “She’s Living”, “Souvenir”, “Joan of Arc” e “Joan of Arc (Maid of Orleans)”, o que mais me impressiona até hoje é a coesão de todo aquele conjunto de temas, que combinam na perfeição o que de bom havia nos dois primeiros trabalhos da banda. Parece-me claro que se trata de um álbum-síntese, reunindo o melhor de dois mundos. Mais tarde percebi que mundos eram esses, e passei ainda a gostar mais de Architecture & Morality. A somar ao laborioso lado pop enquanto caminho para se fabricar grandes canções, os Orchestral Manoeuvres In The Dark traziam consigo a paixão pelos Kraftwerk, pelos Neu! e pelos Cluster, nomes maiores da vaga kraut alemã, que tantas e tão boas obras deixaram para usufruto de todos os melómanos deste mundo, e do meu em particular. O disco vendeu mais de 4 milhões de cópias em todo o planeta, e ainda hoje é considerado um dos melhores álbuns de synth pop (expressão de que não gosto nem um bocadinho) de sempre. Daí a tornar-se álbum de culto, foi um pequeno passo, com a interessante particularidade de ser, ao mesmo tempo, amado por muitos e divinizado por poucos. Eu, como já se terá percebido, enquadro-me nesta última parcela mais restrita, mas também mais convicta. Para além das referidas canções de maior impacto (todas elas foram singles, se não me falha a memória), outras há igualmente portentosas. “The New Stone Age”, logo a abrir o disco, é monumental, e “Georgia” ainda hoje me deixa siderado com os seus mellotrons planantes… “Sealand” é outro momento de perfeição.
Como qualquer disco de culto que se preze, Architecture & Morality tem as suas particularidades, coisas tão preciosas para os completistas mais fanáticos. A artwork do disco, por exemplo, foi por diversas vezes alterada. Mantendo-se sempre visível a “fotografia arquitetural” de Robin Roddey (constante no inlay do disco, mas aparecendo evidente na capa, devido ao corte contido nessa cobertura), Architecture & Morality surgiu, ao longo dos tempos e das várias edições que foi tendo, em tons de amarelo (coloração original e mais comum), azul claro, cinzento, e até mesmo em verde. Com grande pena minha, até hoje ainda não consegui tê-las todas, e esse variado leque de cores, garanto-vos, faz-me falta ter cá por casa.
Uma última nota, para terminar: em abril de 2008, os reativados Orchestral Manoeuvres In The Dark gravaram Live Architecture & Morality & More, no Hammersmith Apollo, em Londres. O disco saiu em duas versões (em cd / cd + dvd) e é um registo imaculado. Todas as canções desse difficult third album estão presentes, obviamente, embora não pela ordem original, o que para mim representa uma pequena contrariedade, digamos assim. Mas tudo bem. Contento-me com a sua existência, e isso é o que mais importa.