Já não sei o que nos oferece mais o Brasil de hoje, se jogadores de futebol ao mundo, ou se novos e bons músicos. Os recentes Ronaldinhos e Neymares da MPB vão-se acumulando todos os anos, e ainda bem. As nossas vidas agradecem. No presente caso trata-se de uma novíssima compositora e cantora, estreada em álbum no ano passado, mas que só agora me chegou aos ouvidos. Em bom tempo, mesmo assim, apesar do ligeiro atraso. O projeto chama-se Sara Não Tem Nome, e revela uma voz pequenina, frágil, uma delícia de se ouvir. Vem de Minas, pois claro, de Contagem, cidade de Belo Horizonte, e por detrás dessa Sara anónima esconde-se Sara Braga, de pouco mais de 20 anos, e é um “movimento de uma pessoa só”, como canta em “Queda Livre”, uma das canções de Ω III ( leia-se Ômega III). E assim, para início de conversa, refiro apenas que há tanto mundo dentro deste pequeno disco, que os seus cerca de 35 minutos sabem a pouco. Mas sabem muito bem, acreditem. Vamos à degustação? Sigam-me lá, então.
Na minha opinião, é muito difícil não se sentir empatia imediata por este disco. O som é virginal, inocente, quase ingénuo, sempre delicado, e mesmo quando a voz resvala, afastando-se um pouco do tom mais certo, Sara é salva pela ternura que dela transparece. Há por aqui alguma amargura, alguma vertigem em direção ao recolhimento, e muito pouco espaço para o sol brilhar. E é exatamente nesse local de sombra que o disco resulta melhor. É aí que ele se mostra mais capaz de me tocar, muito pelas melodias, mas também pelas letras cantadas. Como resistir a versos como estes?: “A chuva cai à noite, mas a minha alma só se lava de manhã” (“Água Viva”), “Você! / Não fique assim tão deprimido / O mundo não acabou / Só está meio decaído” (“Queda Livre”) ou “Deus esqueceu de mim / Deus esqueceu de nós” (“Páscoa de Noel”). São bonitos e bons de cantar. Mas, para além das letras, há as canções que fazem eco de muitas outras coisas, de muitas outras vozes, de muitos outros nomes de outros tempos e também de agora. Jessica Pratt anda por aqui em companhia de Angel Olsen. Sara toma-lhes os jeitos e vão as três andando de mãos dadas com outras vozes e outros sons mais caseiros, como Pato Fu, como os Mutantes, como Sérgio Sampaio (que a própria Sara diz que admira e por isso fez a canção “Carne Vermelha” pensando nele) e como tantas outras boas e preciosas influências…
Sara Não Tem Nome tem tudo para iniciar, com este Ω III, uma bela carreira, uma vez que vontade não lhe deve faltar. A avaliar pelos versos de “Atemporal”, teremos aqui uma rapariga combativa e com as suas armas sempre prontas para futuras ações: “Preciso ser melhor / Do que eu era ontem / Do que eu era antes / Do que eu posso ser”. Assim seja verdade, e assim vá evoluindo, sabendo que o que se conquista é sempre, e só, o caminho, nunca o seu final. O que me leva a apostar neste projeto é o indisfarçável grão de estranheza de certos ambientes sonoros (como em “Ajude-me”, por exemplo), muito adultos para uma voz que é ainda tão nova, embora se sinta que sabe bem o que quer. Até pela forma como soube escolher para a masterização de Ω III, nada mais, nada menos do que Rob Grant que já trabalhou com Tame Impala ou Death Cab For Cutie. Tem olho, a rapariga. E se o leitor tiver ouvido para sons sofridos, sujos, para canções com alguma espessura e porosidade, então talvez possa encontrar em Sara Não Tem Nome um novo nome a fixar.