Axl Rose nunca foi, nem nunca será, normal. Mas mesmo para o mais errático dos vocalistas é excessivo sugerir que os incautos que espreitavam a capa de Use Your Illusion fossem ouvir Jean Michel Jarre ou os Vangelis. Se os desaparecimentos, os acessos de raiva e os atrasos de horas nunca foram explicados, esta violência é facilmente justificável – as duas maiores cadeias de supermercados recusaram-se a vender os Use Your Illusion por terem linguagem ofensiva. A editora ainda tentou que as letras fossem adaptadas, mas naturalmente falhou. Os Guns preferiram enfeitar as capas com um aviso personalizado em autocolante – “Este disco tem linguagem que alguns ouvintes podem achar ofensiva. Esses podem-se ir foder e comprar qualquer coisa na secção New Age.” O autocolante haveria de ser censurado, mas sete milhões ignoraram o aviso e os Guns tornaram-se na primeira banda a ocupar o primeiro e segundo lugar do Top da Billboard. Estávamos no tempo em que as vendas contavam. Um tempo distante.
No tempo em que as vendas contavam, o livro de regras era diferente. Convencer a MTV era essencial, passar na rádio igualmente e não convinha irritar quem decidia a ordem dos escaparates de CD’s. Tudo regras que ao terceiro disco os Guns n’ Roses conheciam, tudo regras que a gigante Geffen dominava, tudo regras que, de uma forma ou outra, souberam contornar.
MTV e rádios, nem tentaram resistir às baladas. Se “Don’t Cry” – que está em versões diferentes nos dois tomos de Use Your Illusion – e “November Rain” hoje cheiram demasiado a rock dos anos 80, a verdade é que nós, adolescentes dos 90, nos lembramos muito bem – juro, mesmo muito bem – do jeito que os dois singles deram. Se os Guns n’ Roses foram, ainda que por 15 dias, a maior banda de rock do mundo, não era possível que as baladas fossem foleiras e nós, os filhos dos 80 que descobrimos as hormonas nos 90, sabemos o jeito que uma balada aceitável – um bem raro na última grande década de rock – dava. Em caso de dúvida, no primeiro volume – o que menos vendeu, mas o que mais passou na rádio – também tinha uma versão de sucesso garantido – “Live and Let Die“, original de um tal de McCartney. Também não envelheceu bem, mas isso hoje pouco importa. Hoje as vendas pouco interessam, já não somos obrigados a ouvir os discos na íntegra e aos Guns não faltam músicas que explicam o porquê de terem sido a maior banda de rock do Mundo.
Use Your Illusion I arranca com “Right Next Door to Hell “e aí, tal como em “Perfect Crime”, ouve-se tudo o que fez deles gigantes – a guitarra de Slash e a agressividade única da voz de Axl. Em “Dust N’ Bones” o ritmo abranda e surgem as primeiras dúvidas – o que aconteceu à bateria? Resposta: Steven Adler tinha sido despedido e substituído por Matt Sorum, sim o ex-Cult. Mas os alertas disparam todos logo a seguir. Em “Live and Let Die”, há coro e piano, um choque e um aviso de que Axl já ditava todas as ordens no quartel dos Guns. Depois, chega a confirmação com “Don’t Cry” a mostrar que este é mesmo, para o bem e para o mal, o maior marco da carreira de Axl, Slash e companhia. Mas ainda há pior – ouvida hoje, “Garden” pode facilmente ser confundida como sendo dos Bon Jovi. “Don’t Damn On Me”, “Bad Apples” e “Coma”, mostram que os Guns não tinham perdido o toque, tão mágico como sujo, que os transformara na maior e na última grande banda de hard rock. Mas no melhor momento do disco, “Garden of Eden”, torna evidente que tudo o que tinham acrescentado à dourada Les Paul de Slash mais não era que desperdício. Uma evidência demasiado dura para Axl digerir?
A história haveria de ditar que Use Your Illusion ficasse para a história como o momento em que os Guns aproveitaram o estatuto de maior banda do Mundo e, simultaneamente, se despediram. Lançado no mesmo ano, o álbum preto dos Metallica haveria de lhes roubar o lugar no coração dos fãs das guitarras pesadas e, pior, sem um único solo, Nevermind haveria de tornar as guitarras bem tocadas tão fora de moda como desnecessárias. Uma estocada certeira no trunfo mais forte dos homens que acompanhavam o guitarrista da cartola. Durante 15 minutos foram a maior banda do Mundo e não os aproveitaram da melhor maneira. Um erro? Nem por isso, o rock, bom e genuíno, quer-se com alma e gravado à vontade de quem o toca. Os Guns nunca fizeram a vontade a ninguém e todos lhes devemos um grande obrigado por isso.