E chegámos ao segundo dia do Optimus Alive. Um dia bem recheado que tem no seu expoente os Black Keys. Mas antes houve mais, muito mais…
A tocar pela primeira vez em Portugal, Russian Red, de seu nome Lourdes Hernández foi claramente uma boa surpresa e adição neste festival 2014 do Optimus Alive nem que seja pela sua própria presença, pelo seu bonito vestidinho azul celeste ornamentado com bocas sexy, seja pelo agradável número de presenças femininas na plateia. A música, a que no fim de contas realmente interessa, não desiludiu. Enérgica, solta e com um bom ritmo Indie Pop, trazendo uma boa banda de suporte. Mesmo quando parecia que algumas das músicas poderiam tornar-se mais aborrecidas, a banda de Russian Red mudava o ritmo e fazia o público dançar alegremente. Uma boa banda para começar a aquecer o palco Heineken após a actuação de Allen Stone.
O dia no Palco Nos começou então com The Vicious Five. Banda portuguesa de corpo mas de letras em inglês, o regresso dos punk-roqueiros (parados desde 2009) não passou despercebido pelo festival. Com apenas mais um par de concertos inéditos pra dar, reparava-se que o projecto de Joaquim Albergaria (Paus) não tinha caído no esquecimento, apesar de ter acabado há já cinco anos. Antigos fãs cantavam as letras de pulmões cheios, fãs mais recentes divertiam-se com a boa onda do vocalista, que não olhava a meios de cativar o público através de uma constante crítica ao estado das coisas. E assim foi também o concerto a seguir.
Delila Paz era quem dava a cara a The Last Internationale. Moça cheia de garra a parecer irmã-gêmea de Alison Mosshart (The Kills, The Dead Weather), vinha acompanhada de dois portugueses e de Brad Wilk (baterista dos Rage Against The Machine). Distorção que entrava nos nossos ouvidos e nos fazia sentir parte do ambiente, guitarras desgarradas que nos atiravam além da estratosfera, músicas que falavam do trabalho e das revoluções feitas pela mão do povo. Depois de uma bonita versão de um tradicional folk, o guitarrista português de cabelo e barba farta deu o mote para uma bonita surpresa que a banda tinha trazido: “Eles são americanos mas tentaram aprender esta pra vocês”. Assim, Delila Paz começa a cantar uma cheia de sotaque versão de “Grândola Vila Morena” (é mesmo preciso dizer de quem?). Palmas, assobios, arrepios e um público ao rubro e a acompanhar a canção com amor e comoção. Assim foi um dos melhores concertos do Nos Alive até agora, onde um gosto e uma paixão de tocar que se notava bem se aliaram ao bom ambiente e expectativa que se fazia sentir no começo do segundo dia e à energia e presença selvagem da vocalista em palco.
Ao mesmo tempo tocava no Clubbing, Alex D’Alva Teixeira que é a alma e o coração dos D’Alva, que têm feito relativo furor nos meses mais recentes. “#batequebate” é um bom disco e ao vivo tudo é melhor: há convidados, entre os quais um coro gospel, eletrónicas valentes, energia q.b. e alegria por alegrar – e isso é louvável. O imaginário visual e musical pode parecer preso nos anos 1990, mas Alex, que ainda se está a fazer musicalmente, tem condições para ser um tipo grande, muito grande, no meio musical português. Ao vivo, já se porta como gente grande.
No Heineken houve uma constatação unânime: os Parquet Courts são uma grande banda: pegam em muito boas referências, de Pavement a coisas mais punk e sujas, e conjugam tudo num concerto rock para gáudio de fãs do rock mais alternativo norte-americano. Convenceram, dando um espetáculo que teve o novo Sunbathing Animals em destaque. Fizeram fãs e um dos elementos do grupo até levou para casa um cachecol de Portugal. Que voltem rápido e em nome próprio, podendo.
Enquanto isso no palco principal, a dupla Andrew VanWyngarden e Ben Goldwasser arrastou maior multidão para a frente do palco, mesmo sendo de dia e a música deles se dê melhor em ambiente escuro. Com 3 discos editados, os MGMT regressaram a Portugal num estado criativo avançado. E são campeões no seu próprio campeonato. Se nós, que estamos na plateia, vamos gostar do que sai do palco, a eles interessa só moderadamente. Eles gostam do que estão a fazer, o resto vem por acréscimo. E tocam o que lhes apetece. Claro que nos atiram, de quando em vez, um bombom do primeiro disco, que os fez famosos e trauteáveis (“Time To Pretend”, “Electric Feel” e “Kids”, esta com uma semi sessão rave a meio a meter toda a gente a dançar). Mas também se perdem frequentemente em viagens por temas dos dois últimos álbuns, sem se preocupar se o público não os sabe assobiar. A acompanhar esta performance genuína, tinham um ecrã gigante com vídeo projecções psicadelistas, condizentes com a canção. Quem achou que vinha ver um concerto festivo pode ter ficado decepcionado. Os MGMT estão num campeonato à parte. A euforia de Oracular Spectacular já passou e o que reina agora é o psicadelismo introspectivo que já tinha sido experimentado em “The Youth” nesse primeiro disco. Entre momentos mais festivos e outros mais “viajantes” é de realçar como é que uma banda consegue alienar e animar um público ao mesmo tempo. São mesmo “Alien Days” estes que se vivem na nave dos MGMT.
Refeitos da viagem neste navio espacial, e já estão a começar os Black Keys. Trazem novo álbum editado recentemente, mas nem por isso tocam muitas de Turn Blue, preferem atirar para as mais certeiras, que eles sabem que nós vamos saber cantar. E assim percorrem os discos mais recentes, principalmente Brothers e El Camino. Eles que podem estar a caminho de se tornarem a próxima grande banda rock a entrar no mainstream pop como fizeram os Kings of Leon. Vamos esperar para ver mas para já “Fever” começa a dar um passo de gigante nesse sentido mas ao mesmo tempo parece que falta à banda tarimba para conquistar um público que à partida já estaria ganho nem que fosse pela viciante “Lonely Boy”, ponto mais alto da noite. Por vezes, parece que falta à banda algo mais. Muitas paragens entre músicas que fazem cair demasiado o ritmo, e ao seu próprio som parece, por vezes, faltar mais força. Se calhar podiam sair da negação que conseguem ser a mesma banda em disco e no palco, falta-lhes mais elementos, uma banda rock a sério com outra guitarra e baixista que estejam realmente presentes e não apenas “atrás da cortina”. No palco dava a ideia da banda ser curta como pouca manteiga num pão demasiado grande. O concerto, apesar de bons momentos como “Dead and Gone”, “Gold on The Ceiling”, “Howlin For You” e as já referidas “Lonely Boy” e “Fever” foi algo morno muito devido às enormes pausas entre músicas. Acabaram em grande com “I Got Mine”, confirmando que, apesar do concerto algo morno, já são uma das maiores bandas rock da actualidade e que a sua passagem para o pop não será tão evidente.
À hora da Cinderella, eis que ela apareceu na forma de três. Annie, Erika, Heather. Au Revoir Simone. Não são irmãs mas parecem – têm todas a mesma altura, cabelos todos do mesmo tamanho e as vozes, são três, mas parecem só uma. E durante cerca de uma hora encantaram com os seus sonhos pop. Começaram com languidez, mas cedo se libertaram. Devem ter sentido a energia que vinha do público e passaram da tal dream pop para uma espécie de dream electro, com batidas mais frenéticas e linhas de baixo potentes. Pelo que diziam, estavam a adorar tocar em Portugal, tinham saudades, esperam voltar em breve. Nós acreditamos, porque pareciam realmente entusiasmadas, quase a soltar-se por caminhos de electro psicadélia (sempre “electro” porque em palco estão apenas 3 sintetizadores e uma drum machine, só em duas ou três canções usaram também um baixo).
Buraka, o novo álbum dos Buraka Som Sistema, pode não ser o ponto alto da carreira do grupo, mas ao vivo, hoje como ontem e sempre, a máquina não parou. Fazendo bom uso de vídeos e projeções, e com um sagaz jogo de luzes, os Buraka são a banda perfeita para um festival como o NOS Alive: fazem dançar, tocam malhas que toda a gente quer ouvir, e são bons, muito, muito bons. Guiados pelos MCs, com Kalaf e a portentosa Blaya em destaque, sacam de temas conhecidos atrás de temas conhecidos como se fossem uma daquelas bandas com 20 anos a dar digressões de velhos êxitos. É um dos segredos dos Buraka: andam cá há não muitos anos mas já parecem de sempre. E, melhor ainda, é indiscutível que ainda têm muito para dar. Longa vida.
No palco Heineken, por volta das 1h30 da manhã, começava SBTRKT. Inglês com um álbum na lapela, trouxe ao Alive uma banda completa para reproduzir o mesmo ao vivo. Aliados a um insuflável de um qualquer mamífero que ocupava quase metade do palco, os ingleses conseguiram ser fiéis ao disco, aumentando e intensificando os momentos altos para agarrar o público. Não faltou “Wildfire” nem “Never Never”, numa electro-pop orgânica a soar bem e a dar ganas de gingar, enquanto muitos esperavam Caribou, uma das estrelas da noite.
E foram os mesmos Caribou a pisar o palco logo de seguida, às 3h da manhã. Quem os viu aqui há dois anos, antes de Radiohead, não diria ser a mesma banda. Neste ano, contrariamente à outra edição, a banda apresentou-se cheia de genica. A apresentar mais uma vez ao público português a sua electrónica que contraria o chegar lá e carregar play, os Caribou conseguiram criar texturas sonoras bem reais e recheadinhas, recorrendo a todo o tipo de instrumentos e a uma concentração exemplar. Maior destaque para “Odessa” e “Sun”, sucessos da pista de dança que, obviamente, levaram todos à loucura.
Assim acabava então mais uma noite do festival, a anteceder o último (já?!) dia, que contará com um palco Heineken bem mais sumarento que nos dias anteriores.
Uma chamada de atenção para a produção nacional tem servido no NOS Alive como complemento para quem pretenda escapar-se dos principais momentos do palco principal. Enquanto tocavam os Black Keys, por exemplo, tivemos oportunidade de espreitar os We Trust, com novas cantigas, muita pinta e inteligência pop e um André Tentúgal em grande forma, e avançamos de seguida para os Cavaliers of Fun, banda idealizada pelo ex-Loto Ricardo Coelho que nesta apresentação especial convocou os antigos companheiros de banda. Eletrónica espacial de qualidade apresentada em meia-hora de valor. Valentes.
Texto: Frederico Batista, Francisco Marujo, Duarte Pinto Coelho, Pedro Primo Figueiredo || Fotografia: Diogo Lopes e Francisco Fidalgo