Chegou a hora de apagar as velas e dizer adeus. O último sopro dos quatro dias de festejo extinguiu-se, depois de muitas horas intensas, de muitos concertos, animação, mas também de um alegre e pouco definido sentimento de cansaço. Até para o ano, NOS Alive.
A surpresa de início ficou reservada para a sala de imprensa: os lendários Da Weasel, todos vestidos com a camisola da seleção portuguesa de futebol (número 22 nas costas, todos eles) deram uma simpática e solta entrevista, embora dizendo pouco sobre o futuro da banda. Nesse capítulo, ninguém jogou ao ataque, embora as perguntas feitas convidassem ao golo fácil. Os seis pontas de lança não quiseram faturar, para desgosto da assistência. Vamos ver o que dizem os artistas depois da hora e meia de jogo em cima do palco. Para já, ficou uma clara convicção: vão ganhar!
Outra entrevista logo a seguir, não de músicos mas de quem fez com que o NOS Alive pudesse acontecer. Álvaro Covões, que não precisa de apresentação, Rita Torres Batista (representante da NOS) e Francisco Gonçalves, em nome e representação da Câmara de Oeiras. As palavras foram, acima de tudo, de satisfação pelo regresso. A décima quinta edição já tem datas: 6, 7 e 8 de julho.

Mas vamos à música, vamos aos concertos. As Haim já estavam em palco quando lá chegámos. As irmãs Este, Danielle e Alana Haim, vindas de Los Angeles, vinham prontas a fazer bonito. Entraram uma a uma, dando evidência aos seus instrumentos (primeiro a guitarra, depois o baixo, finalmente as teclas, todas cantando para delírio dos teenagers (e não só) que as aplaudiram em satisfeita fúria. No fundo do palco, em letras garrafais, lia-se women in music, e estavam penduradas enormes salsichas. A razão de tal coisa? Não sabemos, mas achámos piada à bizarria. O rock adolescente das meninas que agora também se tornaram vedetas de cinema, é isso mesmo, um projeto em transição, embora não se saiba bem para onde. “It’s saturday, so there’s no excuse to not go fuckin’ crazy”, disse, a certa altura, a menina Alana. Deu para perceber que muita gente deve ter levado à letra a frase da norte americana. Ao menos, brincam ao rock em família, o que já não é mau. E dizem coisas como “you guys are really good kissers”, lembrando a última vez que estiveram em Lisboa. Simpáticas e espertalhonas.

Apoteótica, é o mínimo que podemos dizer da entrada dos Da Weasel. Uma mar de gente em delírio! Deve arrepiar todos os centímetros dos corpos de quem está em palco. Foi assim com “Canção do Carocho”, o primeiro shot de adrenalina disparado pelos fartos decibéis das colunas do Palco NOS Alive. “Pega na tua mal e vamos arrancar”, foi o que se cantou depois. E assim, puseram prego a fundo e lá foram por caminhos que fizeram o contentamento de milhares de pessoas nas últimas décadas. Pais e filhos, maridos e mulheres, amigos, a família das “doninhas” em pleno delírio! Ninguém fica indiferente a um público que canta a uma só voz, em jeito de reggae malandro, os versos de “Dúia”, tema histórico para a banda e para Virgul, que aos dezasseis anos entrou na banda com esta canção como trunfo na manga. Os temas mais ou menos conhecidos (ainda não aqueles que fariam estremecer o recinto) foram revisitados. Para que tudo corresse na perfeição, convém contextualizar aquilo que, na verdade, todos sabemos: os Da Weasel esperaram três anos para este momento. Talvez por isso, a entrega foi de corpo e alma (“dar tudo”, como disse o Carlão umas horas antes, em entrevista aqui referida) e isso é mesmo coisa de respeito. “Carrosel (Às Vezes Dá-me Para Isto)” foi um dos temas bem festejados por toda a gente, com boa intro de guitarra do weasel Quaresma, exatamente como no original. Mas mais ainda o “Uh, uh! / Yeah, yeah! / Faz, faz / Bebé”, que há muito entrou na ternura de todos os dialetos lusos. Êxtase total! E assim foi até ao fim. Os tugas gostam dos Da Weasel. Sem dúvida. Foi uma bonita comunhão. “Estamos em casa”, disseram eles. E foi bem verdade.

De palco em palco, aí fomos nós até Phoebe Bridgers. A tristeza e a melancolia instalaram-se no Palco Heineken e por lá ficaram até ao final do concerto. Por vezes, se fecharmos os olhos, lembramo-nos de Lucy Dacus, de quem é amiga, aliás, e com quem fundou a banda Boygenius, na companhia de Julien Baker. O ambiente soturno, denso e romântico (todos os membros da banda estavam vestidos com fatos-esqueletos glow in the dark) deram ainda mais charme à sua performance. Canções e letras de valor sentimental, charme e beleza, a começar pela própria Phoebe, tão bonita e simpática. São, quase sempre, canções para embalar corações, bem feitas, com a melancolia e o tom certos. Finíssima e delicada presença.

E porque também o corpo precisa de alimento (e não apenas a alma), o tempo passou enquanto refizemos a carga de energia. Assim, a encruzilhada que tínhamos pela frente era irmos aos monstros (Imagine Dragons) ou ao amigo Manel Cruz. Fomos ter com o nortenho, naturalmente. Chegámos ainda a tempo de o vermos sem estar em tronco nu, imagine-se. E ainda em tempo de o ouvirmos, entre canções, a dizer em bom vernáculo, “Que lindo, caralho! Foda-se!”, sem nos apercebermos bem do contexto. Logo a seguir, apenas de guitarra acústica a tiracolo, cantou “O Navio Dela”, ele e as largas centenas de pessoas à sua frente, ferrenhos e indefectíveis do bom Manel e dos Ornatos. Algumas canções de dor de corno (mais despeito do que aquilo que facilmente se imagina) também se ouviram, “em sonho é forma / que se transforma”. Manel Cruz parecia estar em casa (não parece sempre?) e rodeado de amigos, palavra que o persegue, digamos assim, a ele e a quem sobre ele escreve. Outra das que são de dor e de sentimentos, feita em pleno confinamento, foi “Canção Sem Título”. Muito bonita, ótima canção sobre o esquecimento e a perda, que talvez seja a forma mais cruel de apagar memórias e lembranças. A vida pode ser bem lixada (o Manel utilizaria outro adjetivo, mas nós somos mais comedidos no uso da linguagem). Seguiu-se “Pode Beijar a Noiva”, que nas palavras do próprio autor, “é a segunda canção mais curta da Europa, segundo um jornal de São João da Madeira”. Tirou a t-shirt a seguir, lembrando que não se deve abusar dos ginásios. Enfim, o Manel Cruz de sempre, tantas vezes entre a farsa e a seriedade desconcertante. Não nos arrependemos minimamente da escolha referida no início deste parágrafo.

Já poucas páginas havia para virar. No mesmo palco onde atuou Manel Cruz, os Parcels deram uma lição de bom gosto e também de como pôr uma pequena multidão a dançar. O eletro-pop australiano parece estar mesmo de ótima saúde, a avaliar pela parcela que nos chegou de amostra. A “Trance Intro” com que os Parcels abriram o concerto foi vertiginosa e contagiante, um gigantesco festim. O mesmo com as seguintes “Lighten Up” e “Reflex”. São cinco os rapazes e raparigas que formam a banda. Foram tão fantásticos em palco que resolvemos, numa justa homenagem, mencionar os nomes de todos: Louie Swain, Patrick Hetherington, Noah Hill, Anatole “Toto” Serret e Jules Crommelin. Com apenas dois álbuns de estúdio em carteira (Parcels e Day / Night, de 2018 e 2021, respetivamente), os Parcels fizeram um concerto parco em número de temas tocados. Sete ou oito, no máximo, mas o suficiente para serem os príncipes do derradeiro dia do NOS Alive. Há neles alguma coisa de novo, mas também de antigo, uma mistura perfeita para ressuscitar o corpo mais dormente que exista à face da terra. Que sopro de vida esse, dado nas derradeiras horas do festival. Por nós, poderão sempre voltar quando quiserem.

Com o peso acumulado dos dias de tórrido calor, assim como dos concertos e do trabalho realizado, quase não tivemos força para lutar contra o mar de gente que tivemos de atravessar até chegarmos de novo ao palco principal. Aí, na sala nobre do recinto, já atuavam os Two Door Cinema Club. Entre canções mais antigas e uma nova (“Wonderful Life”), os irlandeses do norte mostraram a vontade do costume, sobretudo em momentos como “Something Good Can Work”, “Eat That Up, It’s Good For You” ou a óbvia “What You Know”. Muito bem rodados, a banda de Alex Trimble, Kevin Baird e Sam Halliday fizeram um concerto competente, mas para um público talvez já um pouco exausto, mais interessado em permanecer sentado na relva sintética, beber mais um copo de cerveja e em conversa com os amigos. Esta foi a visão (talvez não muito justa) de quem estava muito atrás, no ponto mais longínquo do local onde atuavam os Two Door Cinema Club. Era mesmo (quase) fim de festa. Para nós, foi. Os próximos dias vão ser de algum sentimento de perda, depois de quatro dias de ganho. Adeus, NOS Alive 2022. Foi um prazer que custou materializar, mas que já é passado.
Texto: Carlos Lopes || Fotografias: Inês Silva