Homegrown, o mítico disco de Neil Young perdido desde 1975, vê finalmente a luz do dia. Tem alguns momentos brilhantes mas acaba por não corresponder totalmente à lenda que há tanto tempo o rodeia.
Duas coisas têm ocupado Neil Young nos últimos anos: o lançamento de discos espontâneos (pelo menos um por ano) centrados em instinto e mensagens para os dias de hoje; e um lado muito mais nostálgico, de curadoria do seu arquivo (um trabalho incrível que pode ser visto aqui, e vale bem a pena) e da edição de discos gravados há muitos anos, mas que nunca haviam visto a luz do dia. É nesta absoluta contradição (o insistir, aos 70 e muitos anos, em disparar discos que falem do agora; e no eterno regresso e resgate do seu passado) que o canadiano continua activo. E se os últimos discos “contemporâneos” parecem ser sempre algo apressados, o seu atribulado passado tem dado frutos.
O maior exemplo será talvez Hitchhiker, incrível disco gravado em 1976 e finalmente editado em 2017, uma pérola fruto de uma noite de lua cheia que deitaria à fita a primeira versão gravada de muitas músicas clássicas que viriam, isoladas, a encontrar casa em posteriores discos de Young. O outro exemplo incontornável, quase ao mesmo nível, é este Homegrown, que vive há décadas envolto em mitos e especulações (sendo um dos poucos registos guardados de Young que nunca teve qualquer versão bootleg integral a circular).
Em 1974, o músico vivia ainda na sombra do esmagador sucesso que fora o seu quarto disco de originais, Harvest, de 1972. É famosa a sua postura quando a editora o começou a pressionar por mais um êxito, já a esfregar os bolsos de contentes, com Young absolutamente determinado a boicotar esse caminho de glória em busca de caminhos mais escuros e ainda mais pessoais. Foi o início da chamada “ditch trilogy”, três discos que, com a estrada aberta por Harvest à disposição, foram o caminho escolhido, a valeta: primeiro, Time Fades Away, disco de 73 gravado ao vivo mas exclusivamente com originais; depois, o fantástico e durante muito tempo incompreendido On The Beach, em 1974; e completando-se com o negríssimo Tonight’s The Night. Este último foi editado em 1975, mas na verdade havia sido gravado em 1973, praticamente na mesma altura que outro projecto, de seu nome Homegrown.
Dois trabalhos diferentes, nenhum dos quais agradaria necessariamente à editora, e Young estava incapaz de se decidir qual havia de lançar. A solução foi simples: juntou um bando de amigos num hotel em Los Angeles e pôs a tocar ambos, para medir a reacção. Sem que o público presente tivesse tomado uma decisão, nesse momento Young sentiu um grande incómodo ao ouvir Homegrown, pelo conteúdo pessoal que o disco continha. Isso foi suficiente para se decidir: Tonight’s The Night seria o escolhido, e logo se via o que se faria com o outro. Ficou na gaveta durante 45 anos e é isso que temos finalmente perante nós.

O incómodo de Young tinha a ver com os temas e com o momento em que as músicas haviam sido escritas. Tal como Harvest, este Homegrown era muito influenciado pela relação com a sua mulher de então, a actriz Carrie Snodgress. Mas se o primeiro evocava uma época de felicidade e de amor novo, o segundo era a crónica de uma relação a cair aos pedaços. Naquele hotel, foi insuportável ao canadiano ver os seus amigos ouvir os seus sentimentos como nunca os tinha exposto. Em entrevistas dadas na altura, assume: era um disco “demasiado pessoal” e, possivelmente, nunca veria a luz do dia.
Para os estudiosos de Young este disco é uma espécie de “gémeo mau” de Harvest e uma espécie de elo perdido entre On The Beach e o também fabuloso Zuma, de 1975. É um pouco tudo isso, mas é também uma privilegiada visita à época mais determinante e inspirada da sua carreira, os anos 70, e um raro vislumbre de um Young que, tendo sempre muito de si nos discos, nunca foi tão pessoal como é aqui.
Esta é a história, o mito, a lenda.
Homegrown, o disco, sendo muito bom, não chega ao nível histórico, musicalmente, que tem enquanto artefacto arqueológico. Sendo oficialmente o 40º disco de Neil Young, é facilmente o melhor que editou na última década e meia, juntamente com o já mencionado Hitchhiker, com quem partilha a década de origem e algum do substrato emocional. A grande diferença entre um e outro é que o alinhamento daquele tem muito poucas falhas, ao passo que Homegrown tem uma ou outra coisa esquecível: a jam bluesy e brincalhona de “We Don’t Smoke It No More”, a spoken word dispensável de “Florida” ou até a faixa-título, onde a secção rítmica brilha mais do que tudo o resto. Por alguma razão, a maioria dos temas presentes neste disco ficou inédita até hoje.
Mas há grandes pérolas, nomeadamente os momentos mais íntimos, em que praticamente só ouvimos Young e a sua guitarra. É esse o caso de “Separate Ways”, uma lindíssima canção de um adeus dorido; o country lento de “Try”, movida a steel guitar e a harmonias certeiras; a desolação de “Mexico”; a suja energia eléctrica de “Vacancy”; ou a belíssima balada “Little Wing”, com a harmónica de Young a soprar toda a tristeza do mundo.
Tudo junto, Homegrown revela-se uma boa e valiosa adição à colecção de discos do velho canadiano, ajudando a contar parte da sua longa história e trazendo-nos meia dúzia de temas que fazem valer todo o álbum. Com a expectativa de tantas décadas, o mito acaba por ser superior à realidade. Mas não será sempre assim?