Uma sessão acústica de Agosto de 1976 é finalmente editada, uma janela encantada para o mundo fervilhante e atribulado de Neil Young nessa década dourada. Um dos discos do ano, apesar de ter mais de 40 anos.
Entre 1969 e 1975, Neil Young lançou oito discos a solo (para além de outros projectos), todos eles de elevadíssimo nível. São deste período inicial álbuns incontornáveis como After the Gold Rush, Harvest, On the Beach ou Zuma. Entre 1975 e 1977, o sempre irrequieto (até aos dias de hoje) Young criou um hábito bizarro: nas noites de lua cheia, quando estava no seu Indigo Ranch, chamava o seu amigo e produtor David Briggs e fazia uma sessão de gravações, apenas guitarra e voz. Como o próprio Briggs explicou, muitas das canções eram novas, feitas no momento com base em ideias dos dias anteriores que o músico trazia na cabeça. Esse período foi provavelmente o mais fértil da carreira do canadiano, e vêm daí muitos dos seus temas mais clássicos. Há várias sessões, com todo o género de material, mas uma destacou-se: 11 de Agosto de 1976.
Nessa noite, um deprimido Young gravou dez temas. Sozinho, voz, guitarra e a sua fiel harmónica (a excepção é o piano em “The Old Country Waltz”). Parou apenas, nas suas palavras, “para erva, cerveja ou coca”. Satisfeito com o resultado final, apresentou-o à sua editora, a Reprise, que rejeitou o projecto de disco, considerando as músicas demasiado perto do que seriam umas boas demos, e aconselhando-o a trabalhar mais o material e a gravá-lo com banda. Young, que também considerava a performance “um pouco stony”, nunca fica muito tempo no mesmo sítio, e rapidamente se dispersou para outros projectos. É essa noite de Agosto de 1976, há mais de 40 anos, que chega agora a disco, sob o nome de Hitchhiker.
Se o disco morreu, as canções não, e Neil Young não se esqueceu delas. Dos dez temas então gravados, quase todos conheceram uma nova vida pública em discos posteriores. Há aqui apenas dois inéditos absolutos, “Hawaii” e “Give me Strength”. No entanto, apenas uma música desta sessão foi editada tal como ficou, “Captain Kennedy”, em Hawks & Doves, de 1980, enquanto o clássico “Pocahontas” foi editado em Rust Never Sleeps, de 1979, mas com overdubs em cima desta versão inicial. Os restantes seis temas foram encontrando casa em vários discos, o último dos quais Le Noise, de 2010, que acolheu o tema “Hitchhiker”, que dá nome a este disco.
Temos aqui vários clássicos, como a já mencionada “Pocahontas”, “Powderfinger”, “Ride my Llama” ou “Human Highway”, em versões desnudas mas com um som límpido e ao mesmo tempo absolutamente autêntico. Músicas que nos habituámos a conhecer e a amar, e que nasciam nesta altura de efervescência musical e pessoal de Neil Young. A riqueza deste disco – que funciona como o mais recente e comercial Unplugged mas mais íntimo – é dar-nos uma janela por onde podemos ver o mundo deste vagabundo, que até hoje não parou de fazer discos (anda perto dos 40, a solo).
Tendo sido gravado em 1976, acaba por ser o melhor disco de Young desde, pelo menos, Silver & Gold, de 2000. Nos últimos anos, o canadiano tem abusado de discos de instinto, não resistindo ao impulso de gravar rápido os temas que lhe aparecem e seguir logo em frente, talvez assustado com os poucos anos que lhe restam para fazer música. Sem que tenha feito qualquer disco abaixo de uma qualidade média, a verdade é que o material ressente-se, e sentimos a falta de que Young se sente com calma, trabalhe um disco e os seus temas a fundo, e volte a dar-nos um álbum clássico, digno de figurar entre os seus dez melhores. Ora este Hitchhiker mata-nos completamente essas saudades de um Young em forma, num álbum que nos enche a alma.
Neil Young acaba de editar, com esta noite de Agosto de 1976, um dos melhores discos de 2017. Bizarro, talvez, mas nada foi nunca linear com este músico que tanto nos deu.