Com This Old Dog, DeMarco, à primeira vista, regressa como o conhecemos, agrada sem surpreender, mas dá indícios de que está a caminhar para algo maior.
Bom filho, a casa torna. E, há uns tempos, o menino bem-amado do jangle pop pós-2010 regressa aos discos e às casas de tantos fãs que esperavam ansiosamente por um novo disco que se seguisse a Salad Days, de 2014.
Em meia década DeMarco capturou qualquer coisa nos corações de milhões de adolescentes e tornou-se um vedeta como muito poucos poderiam sonhar, desde que explodiu em cena com o tremendo sucesso do seu primeiro álbum, 2, em 2012, coletânea de desleixo bem calculado, guitarras pachorrentas, letras confessionais, e um conjunto de melodias tão bem dispostas como o sorriso largo que esboça na capa do disco. Mas o vedetismo de DeMarco encontra-se a léguas daquele das estrelas de rock que fomos conhecendo e admirando no último século, até na última década; as vedetas que preenchiam as paredes dos quartos de jovens por todo o mundo, até então, eram homens (ou mulheres) duros de caras fechadas, muitas vezes de expressão ocultada pelas lentes blindadas dos óculos escuros, drogavam-se em demasia, colecionavam interesses amorosos, apresentavam-se sempre num desalinho de rock ‘n’ roll mas nunca sem perder a pinta que tanto admirávamos (e muitas vezes cobiçávamos). Em suma, eram demasiado para nós; podíamos estudá-los à distância de um palco ou de um disco tocado vezes sem conta, mas sabíamos que jogavam noutra liga, noutro planeta cuja órbitra não se cruzava com a nossa. DeMarco veio tomar este imaginário de assalto. Primeiro, não parece sequer um homem, mesmo do alto dos seus vinte e sete anos; exibe a traquinice de um menino malcomportado mas inofensivo, despe-se em palco e exibe o traseiro, fala de tudo sem pudor ou perigo, dedica canções de amor à namorada de longa data, fuma mas prende o cigarro no meio dos dentes para a fotografia, não ostenta casacos de cabedal nem anéis nos dedos, muito menos óculos escuros, olha para a objetiva de frente e ainda exibe um sorriso pateta e inocente. DeMarco não é a vedeta que queremos admirar; é a vedeta que queremos conhecer, que nos vai pagar o café, contar piadas, falar-nos de frente e não de cima. E talvez seja por isso que se alojou com tanta firmeza no imaginário de tantos jovens por todo o mundo, que talvez preferirem a estrela de rock que não é estrela nenhuma – e que talvez é um bocadinho parecida com eles.
A imagem inofensiva de DeMarco combina com a sua música, que nada tem de revolucionário ou controverso; são apenas melodias bem-dispostas (no caso mais extremo, um tanto melancólicas) no qual o narrador diz o que sente com todas as palavras, ao som de uma guitarra que chilreia com efeitos , um baixo que segue pachorrento e uma bateria que cumpre o seu trabalho sem grande rebuliço. Algumas vezes, a guitarra acústica; ainda menos vezes, o sintetizador, como é no caso do single mais distinto até à data, “Chamber of Reflections”, do álbum Salad Days, que já faz três anos que saiu. Mas DeMarco, ao longo de dois álbuns de longa duração e alguns EPs, sempre manteve o mesmo truque, preciso como uma fórmula matemática: é música para fazer sorrir, fazer dançar, talvez recordar um amor de verão, meter na coluna e conversar por cima num churrasco de verão, músicas que partilham talvez um pouco demais umas com as outras, que se misturam e confundem num cocktail sonoro fresco e agradável, mas que o ouvido não vai associar a nada senão uma perdida memória de juventude dentro de dez, quinze anos. Mas funciona, o povo gosta, canta, dança, paga bilhetes de concertos, diverte-se com a personalidade e as entrevistas, por isso, porque não?
A grande questão que assolava a mente de muitos quando este This Old Dog surgiu no mundo, no início de maio, era precisamente se DeMarco ia continuar a puxar da manga o mesmo truque de sempre, as mesmas melodias de sol, a mesma guitarra de verão, as mesmas letras de amor. Porque, verdade seja dita, o truque resultava. No risco de se querer complicar para forçar o crescimento à régua, DeMarco podia cair e perder aquilo que é talvez o seu maior trunfo: a sua sinceridade. Para descobrir, apenas uma solução: ouvir as treze canções que DeMarco decidiu lançar no mundo e fazê-las a prova final.
Como já seria de esperar, em This Old Dog muitos dos truques persistem: basta passar os ouvidos em temas como “Baby You’re Out”, “One Another” ou “Still Beating”. Isto não quer dizer que sejam necessariamente canções fracas, mas simplesmente que não trazem nada de novo, a não ser um sabor que, mesmo doce, à terceira começa a enjoar; cada uma destas faixas podia ocupar um lugar discreto em qualquer um dos álbuns anteriores de DeMarco sem grande disfarce. Mas DeMarco, mesmo que ainda ligeiramente preso às sonoridades que lhe deram boleia para o grande palco em todos os festivais de verão do país, começa a namoriscar com novos caminhos musicais para onde levar o seu pop sincero a passear. A primeira evidência é o retorno definitivo, desde “Chamber of Reflections”, do sintetizador, que se assume como protagonista num número considerável de canções, roubando o estrelato à guitarra elétrica; são elas “Dreams From Yesterday”, “One More Love Song” e “On The Level”. DeMarco colhe as suas influências longe, mais precisamente da tradição de synth pop japonesa de há largas décadas atrás.
À novidade do sintetizador junta-se o regresso da guitarra acústica, que assume o papel principal em algumas das melodias mais doces e confessionais do álbum, como é o caso do single que abre o disco, “My Old Man”. Na sua habitual voz gentil, DeMarco começa por inqurir pacientemente: “look in the mirror / who do you see?/ someone familiar/ but surely not me” apenas para responder, no refrão “Uh-oh, looks like I’m seeing more of my old man in me”. E não o diz em tom resignado, frustrado, infeliz; simplesmente, di-lo com um encolher de ombros de quem aceita o que não se pode evitar, que, para DeMarco, acaba por ser confrontar-se a si mesmo e ao seu inevitável crescimento, que, aos vinte e sete anos, já não é tanto um crescimento como um envelhecer, um amadurecimento, um passo em direção a um futuro desconhecido e assustador.
O que DeMarco promete, mesmo sem prometer, cumpre; em This Old Dog, DeMarco continua muitas vezes igual a ele mesmo, pateta e inocente, a correr o mundo a escrever músicas para nos deixarem felizes durante um verão. Mas, por vezes, cai em si, trava, olha-se no espelho e vê-se a crescer, a tornar-se um adulto definitivo: e senta-se e escreve músicas sobre o que é olhar para trás quando de repente olhar para a frente começa oferecer um deslumbre de uma velhice triste e fastidiosa. É quando DeMarco promete crescer e não quando promete relegar-se ao estatuto de menino vedeta para sempre que ganhamos: é em baladas surpreendentemente francas, como “Sister”, ou na estrondosa “Moonlight on the River” (que chega aos sete minutos na duração) e até na dylan-esca “A Wolf Who Wears Sheeps Clothes” que ganhamos. Basta fazer figas para que DeMarco continue a crescer, vedeta de baliza nos dentes como o adoramos, sem nunca mudar, mas mudando na mesma para algo maior e melhor.