Tive a sorte de conversar uma vez com Ben Harper, uma rápida entrevista telefónica de onde guardei, sobretudo, uma frase. Tinha acabado de lançar There Will Be a Light, a sua aventura com os Blind Boys of Alabama, mas recusava que a costela roqueira estivesse enterrada. Dizia que não tinha um estilo de música definido, que isso não o preocupava e que «um dia gravaria um disco de blues, outro de reggae e, quem sabe, um de hip-hop». Se, desde o início, os blues se ouvem (bem) na sua guitarra, e se o balanço, reagge ou outro, também nunca faltou, ao longo dos anos o mais próximo que chegou do hip-hop foi em Steal My Kisses e, felizmente, não voltou a insistir. E se agora tiver lançado um disco em que nem falta uma valsa?
20 anos depois de Welcome to the Cruel World – o brilhante disco de estreia onde já exibe o inconfundível talento na guitarra, a arte para as baladas e o ritmo que haveria de o fazer estrela -, depois de ter gravado Get Up, com um coro de gospel incluindo um mago da harmónica, e de inúmeras colaborações (de Tom Morello a Eddie Vedder, de Jack Johnson a Vanessa da Mata), agora lança Childhood Dreams, ao lado de Ellen, a mãe. Não será o seu melhor disco, o mais inspirado, o mais bem tocado ou sequer aquele em que reúne as suas melhores canções, mas confirma o que, a mim pelo telefone e ao mundo pelos discos, há muito prometera: Harper não se deixa ficar num só registo.
Num disco quase integralmente dedicado ao tradicional folk americano, em «Born to Love You» arrisca uma vagarosa valsa, canta enquanto a mãe toca banjo – Ellen ainda hoje trabalha na loja de instrumentos da família –, volta a exibir a sua mais famosa guitarra, a Weissenborn, em «Farmer’s Daughter» e não deixa de fazer a visita aos seus géneros de eleição: o gospel, em «Altar of Love», e o R&B, em «Break Your Heart».
Se em 20 anos quase tudo muda, poucos serão os músicos capazes de olhar para trás e, ao fim de 12 discos de originais e de uma meia dúzia de edições ao vivo, não ter de que se envergonhar. Ben Harper não tem. O disco menos inspirado e mais comercial – Burn to Shine – seria o melhor da discografia de muito boa banda, e hoje já se movimenta num registo acessível a muito poucos – em Childhood Dreams, a música é intemporal, tão boa hoje como dentro de 20 anos. Com estatuto suficiente para gravar indiferente a modas e tendências, a voz e guitarra de Harper, assim como a mãe e o respectivo banjo, fazem deste um grande disco. Ninguém deu por isso? Sim, é só mais um do talentoso senhor Harper.