Oswaldo Lenine Macedo Pimentel (conhecido artisticamente por Lenine) é um nome incontornável da mais segura e recente formação de astros da música popular feita no Brasil. Ao lado dos grandes Chico César e Zeca Baleiro, entre outros, surgiu a solo nos anos 90 para mudar um pouco o rumo musical do final do século XX brasileiro. Depois de dois discos feitos em parceria (Baque Solto, de 1983, com Lula Queiroga e Olho de Peixe, de 1993, com Marcos Suzano), Lenine apareceu com o seu primeiro álbum em nome próprio, intitulado O Dia Em Que Faremos Contato (1997), e desde logo se percebeu que era portador de uma linguagem particular, misturando todos os ritmos possíveis e imaginários do imenso caldeirão sonoro brasileiro. Se hoje não me poupo a atribuir-lhe as melhores e maiores adjetivações, a verdade é que, quando o comprei, não o compreendi convenientemente. Lembro-me de ter lido um texto sobre O Dia Em Que Faremos Contato, redigido por Caetano Veloso, em que os elogios eram mais que muitos, e esse facto aguçou-me o apetite. Se o meu Caetano venerou o disco, o que mais poderia eu fazer a não ser comprá-lo? Mas, como dei a entender há pouco, os meus ouvidos tardaram em encontrar o caminho certo para o seu melhor entendimento. Demorou anos, confesso. Nada de novo nesta circunstância, uma vez que todos sabemos que a música nos oferece milagres assim, amiudadas vezes. Por isso, de um momento para o outro, sem dar bem pelas razões apensas a essa aproximação súbita, dei comigo a adorar tudo nesse disco: a belíssima capa, o conceito, a novidade da linguagem, a poesia, até mesmo a voz e o particular sotaque de Lenine, não esquecendo, obviamente e sobretudo, as suas catorze canções.
Na abertura do disco, logo nos segundos iniciais de “A Ponte”, ouvimos a voz de um rapaz a referir-se ao seu percurso de músico de rua, e que por via dela (da música), mostra grande satisfação por nunca ter passado fome. Essa primeira faixa impressiona (sempre me impressionou desde o primeiro momento) pela forte fusão de maracatu e rock. Resulta lindamente. A ponte mencionada no título da canção, e que surge bastantes vezes cantada no seu interior, é a metáfora perfeita para a ideia e o conceito de todo este álbum, que me parece ser o das ligações entre os mais variados universos geográficos e musicais do Brasil e do Mundo. A ideia de fusão, em si mesma tão tropicalista, vinga em todo o álbum. O mangue beat surge de mãos dadas com a embolada (espécie de rap, mas para melhor), com o folclore nordestino, com a pop, a electrónica, o rock e o samba. Essa miscigenação sonora e rítmica resulta de forma perfeita, embora me pareça importante reforçar o sublinhado de há pouco: não foi fácil aceitar a ideia (lida e ouvida em muitos lados) de estar perante uma obra prima. Mas o tempo encarregou-se de fazer as devidas correções em mim, e o disco foi, aos poucos, sujeito a delicadas transformações. Depois, deu-se a redenção! Canções como a já referida “A Ponte”, ou “Hoje Eu Quero Sair Só” (presente na ótima coletânea Beleza Tropical 2, da editora Luaka Bop, fundada por David Byrne), “Candeeiro Encantado”, “Distantes Demais” (lindíssima balada), “O Dia Em Que Faremos Contato” com o fortíssimo pandeiro de Marcos Suzano, e tantas outras (quase todas, na verdade), fazem deste álbum um dos mais importantes primeiros trabalhos de que me lembro ter escutado no universo sonoro do país irmão. Muito bom, sem dúvida, se soubermos, como eu por sorte soube, dar-lhe o espaço e o tempo necessários para a maturação. É “Pernambuco falando para o mundo”, e isso pode não ser imediatamente acessível a todos.
Ouvir Lenine, depois de me ter encontrado definitivamente com este O Dia Em Que Faremos Contato, passou a revelar-se uma experiência cada vez mais gratificante. Os seus álbuns seguintes, todos eles muito bons, foram muito mais facilmente entendidos por mim. Tudo por culpa do disco que hoje vos trago. Pode ser que o mesmo venha a acontecer convosco.