Astronauta Tupy é um bloco de som que não larga os ouvidos que lhe quiserem dar a devida atenção. Tudo nele mexe, tudo nele salta, tudo nele se ajeita para uma festa carioca que vale um tesouro.
Tenho o disco Astronauta Tupy desde o início do ano 2000, três anos após ter sido editado no Brasil. Não fazia ideia de quem eram Pedro Luís e A Parede, pelo que a boa surpresa foi instantânea e absoluta. Depois de alguns anos em que o escutei com bastante frequência, deixei-o perdido pelas prateleiras de casa e do meu próprio esquecimento, sem que outra razão houvesse para esse afastamento que não fosse a quantidade de discos que continuam a instalar-se na minha vida, que são muitos e bons, felizmente. Até que, desde há poucos meses, voltei a escutar essa preciosidade rítmica, sobretudo por via da canção “Tudo Vale a Pena”, tema obrigatório nas Sessões Altamont d’ O Bom, o Mau e o Vilão em que tenho participado. O tema é superlativo, mas o disco onde a podemos ouvir não lhe fica atrás. Assim, alguns anos depois de lhe ter perdido o rasto, Astronauta Tupy voltou em grande estilo. Voltou a instalar-se entre mim e ele a empatia inicial, agora acrescida do prazer que sinto ao perceber que não perdeu pitada da frescura que lhe havia encontrado no início deste século. Apesar das duas décadas de existência, posso dizer que envelheceu bem, e isso é sempre um ótimo elogio.
O que se encontra, então, neste Astronauta Tupy? Muito ritmo, como já se percebeu, mas também canções extraordinariamente melódicas, canções que ficam no ouvido com alguma facilidade, prontas para entrarem na vida de quem as ouça apenas uma única vez. Há muitas assim, e de entre todas, duas existem que se destacam por serem o oposto do que aqui se descreveu. Começo por essas. Chamam-se “Máquina de Escrever” e “In The Rain”, e são de uma delicadeza absoluta. Sem qualquer percussão, “In The Rain” é um pequeno oásis de acalmia no meio do turbilhão de todo o álbum, que só tem em “Máquina de Escrever” outro momento semelhante. Mas antes (e também depois) deste tema, Pedro Luís e A Parede atacam em força, principalmente em “Pena de Vida”, faixa de abertura, onde se ouvem versos crus, indignados, pujantes como “se o sujeito cagou / pisou na bola / tem que resolver aqui / não pode cair fora”. Potencial hit maior de Astronauta Tupy, o segundo tema é o meu preferido, como referi no segundo parágrafo deste texto, e razão principal da redescoberta do disco. Ouve-se, a par da voz de Pedro Luís, a de Fernanda Abreu, numa deliciosa participação especial. É mesmo um grande momento, com versos que lembram outros bem conhecidos do nosso Pessoa.
Temas grandiosos não faltam em Astronauta Tupy. “Fazê o Quê?”, “Soul” e “Caio no Suingue” (este último é um funk de primeiríssima água) são apenas mais três exemplos da riqueza rítmica e melódica deste trabalho. Há por aqui muito de Chico Science, de Carlinhos Brown nos seus primeiros e melhores tempos, de Lenine e da elegante e reconhecida ginga carioca. Há até uma distinta canção bossanovista (“Navilouca”, com o verso “Fotografei você na minha Dragoflex” a piscar o olho ao “Desafinado” de Jobim), como também se pode ouvir a participação (sempre especial) de Ney Matogrosso em “Caramujo Jah”, primeiro encontro em disco de Pedro Luís e o ex-Secos e Molhados. “Chuva de Bala” é outra faixa de bom e irrequieto balanço. Tudo isto em pouco mais de quarenta e cinco minutos, com direito a faixa secreta e tudo, que, para ser honesto, nada de significativo traz ao disco.
Pedro Luís e A Parede continuam a fazer discos e a trazer ritmos intensos ao mundo, mas em nenhum dos seus outros trabalhos há um “segundo” Astronauta Tupy. Esse é único! Esse é excecional!