Um condensado testemunho da caminhada dos Zeppelin, monumento ao rock, às guitarras e aos excessos, uma ostensiva exibição de génio.
Ainda se lembram de quando a música não estava à mão de semear? De quando não se conseguiam ouvir os músicos que nos tinham despertado a curiosidade sem pagar por isso? Nessa altura – os que se lembram, sabem-no – era arriscado comprar cd’s. E se muita vez levei para casa discos cujo final ainda hoje estou por conseguir ouvir [é procurar Biohazard no Google], também foi assim, ali pelo final dos anos 90, que descobri os Led Zeppelin.
Entre amigos há muito que a “Stairway to Heaven” se tinha tornado motivo de conversa. E se em casa nada havia de Zeppelin, na rua muitos abdicavam da dignidade para a tentar tocar. Eventualmente pelo prazer da resposta, por aquele par de segundos em que a audiência acreditava que sim, que sabiam tocar a mãe de todas baladas, muitos, durante muitos anos, insistiram. “Sim, sei tocar a Stairway to Heaven“. Eu, protegido pela incapacidade de fazer soar o mais simples dos Rés, pensei sempre: “Não, amigo, não sabes”. Nunca o disse, até ao dia em que um – hoje por hobby guitarrista de fado -, assumindo as falhas, a tocou: “Sem solo, o solo não dá”. Nessa altura, a luz, um choque de clarividência, a questão que haveria de me escancarar o opulento universo de Page, Bonham, Jones e Plant. Se na balada é assim, como será o resto?
Verdade que a voz me soava excessivamente perfeita, pirosa até. Verdade que nem suspeitava da bateria de Bonham ou do baixo de Jones, verdade que ainda hoje tudo me parece acessório ao lado de Page. Igualmente verdade que o luxo de ter os 8 minutos de “Stairway” à disposição, em casa, me parecia justificação mais que suficiente para suprir a falha discoteca caseira. Calhou ser ano de BBC Sessions, a primeira edição oficial em mais de dez anos. Calhou ficar convencido à primeira música.
1969, entre o primeiro e o segundo disco, a história haveria de provar que pouco mais eram que meninos à procura de caminho. A mim, soou a blues do bom, mais pesado que o do senhor Clapton, quase Cream, quase Hendrix. Depois chega o rock, “Communication Breakdown”, a música que resume a carreira dos Who, música em que John Paul Jones arranca à velocidade de Bonham e Page e se dá ao luxo de passear por uma discreta linha funk [ali, entre os 2.00 e os 2.40]. Com “Dazed and Confused” o investimento estava dado com bem empregue. A “Stairway to Heaven” tinha a passado a bónus.
Não são imunes de pecados. A Plant o bom gosto nem sempre assistia, Page era exibicionista e Bonham demasiado bruto. Em Jones não consigo encontrar defeito, mas todos têm, dos bons e dos maus, excessos em disco. Na classe de “What Is and What Should Never Be”, na fúria de “Immigrant Song” – ver baixo para resumo de todo o Nu Metal – na força de “Heartbreaker” – que suspeito a malta dos Maiden deve ter ouvido em pequena -, todos os excessos são justificados.
A compor o segundo disco, das gravações de 1971 em Londres – “Since I’ve Been Loving You” parece colocada como aviso – o caminho começou nos blues, lembram-se? Depois ainda virá um medley à volta de “Whole Lotta Love”, “Black Dog”, a folk de “Going to California” e a mais antiga versão conhecida da tal “Stairway to Heaven”. Um extra, ou quase, num disco que o carimbo Ao Vivo coloca numa classe ainda mais restrita. Um condensado testemunho da caminhada dos Zeppelin, monumento ao rock, às guitarras e aos excessos, uma ostensiva exibição de génio.