Shoegaze? Era só um sonho.
Por onde anda o shoegaze? A pergunta tem emergido amiúde, entoada com a melancólica memória de um amigo de infância, mesmo entre os que não foram contemporâneos do género. Muitos apanharam a onda depois. Uma onda, diga-se, mais persistente do que muitas outras cultivadas nos anos 90 do século passado. Existem hoje, um pouco por todo o lado, pequenas ordens de jovens pregadores dos sagrados álbuns do velho testamento aos seus ignorantes amigos. Loveless, Souvlaki, Nowhere, Heaven or Las Vegas convivem de forma orgânica com Taylor Swift em quotidianas playlists de Spotify.
O género tem tido uma notória ressonância junto dos novos, ao contrário do que aconteceu noutra era. Desde muito tenra idade, o petiz shoegazer sofreu bullying, nunca conseguindo ser levado a sério pelos seus pares rockeiros. Tudo começa pela designação. Boa humoristicamente, se usada em inofensiva risada entre compatriotas, mas também uma piadola sobre a condição partilhada pelos guitarristas – sempre com um olho no burro e outro na pedaleira. Os shoegazers eram os nerds dos intermináveis tapetes de pedais e efeitos, das guitarras cósmicas e das linhas de voz a fazer lembrar arrepiantes suspiros do vento vindos de uma janela que, por acidente, se deixou aberta. O shoegaze, para o resto do rock, era, vá lá, um fenómeno “giro”. Nada mais.
Passadas três décadas, bate-se à porta do shoegaze. Silêncio. Um mistério. Não se ouviu falar de uma única banda que ousasse, em rigor, retomar as rédeas desta carroça abandonada. E não é por falta de voluntários. O problema é que são todos rigorosamente iguais – e igualmente monótonos.
O último projeto da artista britânica Nabihah Iqbal tenta recuperar a herança perdida daquele som. Mas a execução pede a sinceridade de um comentário também ele bully. Se é para andar por aí desfigurado e maltrapilho que nem um Frankenstein, mais valia não ter saído da cova.
Ficando muito aquém das expectativas trazidas por um promissor single primaveril, com o mesmo nome do LP, que lhe valeu durante largas semanas a capa da playlist oficial do Spotify “Shoegaze Now”, Nabihah perdeu uma ótima oportunidade para quebrar este ciclo de “shoegazers sem cara”.
Todo o álbum parece desnorteado, flutuante e indeciso. Qualquer reminiscência de ambição que o single enganosamente oferece é soprada para longe por temas clonados uns dos outros, apenas diferenciados pelo nome. A fórmula é: batida frenética e convulsiva, sempre igual, destinada a impedir que o ouvinte estacione durante mais do que 30 segundos, seguida de um pano de fundo celestial em modo aspirina fraquinha.
Sobre o cenário, uma voz longínqua e sibilante que, segundo a ficha técnica, é humana e não de um dementor. Pouco se salva, na verdade. “Dreamer” e “Lilac Twilight” são as duas ovelhas negras do rebanho, destoando do elenco por serem, vá, “agradáveis”. A primeiro aplica os ensinamentos do “stor” Andy Bell em salutar simbiose com o estilo dançável da generalidade das composições da artista. Mas, por ser um petisco superior no LP, revela-se uma péssima escolha para single, tornando tudo o resto um contentor de água fria. A segunda é uma curiosa composição feita de hipnotizantes tapeçarias de guitarra, a servir de meditativo oásis de repouso. Um reduto onde o ouvinte poder tirar os chinelos, abastecer-se de um refrescante chá persa e, por plácidos quatro minutos, refugiar-se das tormentosas batidas.
Preparemo-nos. O caminho pelo vasto e monótono álbum demonstra, em cada passo, que “Dreamer”, mais do que conseguir renovar um género, acaba por se adequar às escolhas de um DJ de um café estival do Estoril. É triste admiti-lo e, percebam, faço-o ao som da mais do que sofrida “Catch the Breeze”, canção que abre uma obra-prima dos Slowdive. A aparente tentativa de resgatar o remoto e hermético ilhéu sonoro acaba por não sair da praia. Mais especificamente, da esplanada. É esperar por uma nova
espuma.