Djavan talvez seja o último dos grandes nomes da chamada MPB, etiqueta que tem vindo a perder a substância que lhe deu forma e sentido. Por isso, mas também pela obra vasta que soube produzir, Djavan merece todo o respeito. Vesúvio, no entanto, não representa o vulcão de criatividade que o título poderia fazer supor, o que não deixa de ser, na verdade, uma coisa boa.
Esqueçam, não vale a pena sequer imaginar que Djavan volte a fazer álbuns como Djavan (1978), Alumbramento (1980), Seduzir (1981), Luz (1982) ou Lilás (1984). Esse fenomenal arranque, se não contarmos com o hesitante primeiro disco (A voz, o Violão, a Música de Djavan, de 76), fez do menino de Alagoas o príncipe da música brasileira pós-tropicalista e pós-clube esquinista, apresentando uma voz composicional ímpar e diferenciada das restantes. Depois, e apesar de se manter sempre ativo, o caminho que resolveu traçar levou-o a procurar aprimorar um estilo cada vez mais seu, dando a sensação de fazer sempre o mesmo disco durante largo tempo. Não se poderá levar a mal, uma vez que o mesmo foi acontecendo – e acontece ainda – com Chico Buarque, para dar apenas o mais gritante exemplo. Assim, quem se atreverá a atirar a primeira pedra a qualquer um desses dois vultos da música popular do país irmão? Ninguém, pois claro, e sobretudo por uma única razão: a inventividade dos tempos mais antigos (entenda-se esse engenhoso caminho como a procura definitiva de uma voz artística que melhor o pudesse servir) foi trocada pela mesmice composicional das gravações seguintes que foram, no entanto, mantendo uma qualidade artística acima de qualquer suspeita.
Com Vesúvio, sendo exatamente esse o caso, uma ou outra nuance baralha a equação aparentemente fácil de resolver. É que, se lhe dermos a devida atenção, percebemos tratar-se de um disco algo equívoco, pois aparentando ser um dos álbuns mais pop da discografia recente (isso vem escrito no encarte do álbum), talvez não o seja assim tanto. A crítica nativa soube entender essa particularidade, mas terá ficado, na nossa opinião, a meio caminho da explicação. Faltou perceber que Djavan, como há muito não fazia, procurou encaixar no seu típico som djavaneante, elementos mais clássicos na estrutura dos temas de Vesúvio. Talvez não em todos, mas escute-se “Madressilva” para que se perceba o que dizemos. Ou “Tenho Medo de Ficar Só”, por exemplo. Ou ainda o samba “Orquídea”. Nestas canções há uma metódica rigidez composicional quase absoluta, nem sempre amiga de ouvidos à espera de temas mais fáceis e cantarolantes. É também claro que Djavan nunca se afastou muito dessa receita, sobretudo se pensarmos que esse pretenso pendor classicista é nele algo muito próximo do jazz, parecendo assim haver nessa amálgama uma espécie de contra-senso insolúvel. Não há. Basta conhecer a obra do artista. É, isso sim, um disco de detalhes, de mudanças súbitas (“Viver é Dever”), de letras mais incisivas, mais políticas (“Solitude”), de maior preocupação social. É também, e necessariamente, um disco de amor. É o disco que só a idade pode trazer ao de cima.
É impossível não se gostar de Vesúvio, mas a pretensão de poder vir a ter em mãos uma obra-prima do nível das citadas no início deste texto, esse tão saudosista e almejado desejo, ainda não foi desta vez que se concretizou. No entanto, uma canção como “Vesúvio” faz-nos não perder totalmente a esperança, ao mesmo tempo que sabemos que não valerá a pena ambicionar o impossível. A canção título é magnífica e o seu embalo é “de ouro, de ouro, de ouro”. Nesse mesmo tema inaugural do disco, canta-se o seguinte: “Quem me dera saber / O que nunca foi dito / Mas o mar tem onda / Pra tentar descrever / Outras formas que habito”. Parece-vos inocente? A nós não, e por isso este Vesúvio, não sendo exatamente o Djavan de sempre, também não poderia ser o que Djavan não está interessado ou capaz de dar. Assim sendo, o que nos deu e o que nos dá ainda hoje serão razões bastantes para lhe estarmos gratos, tão gratos como sempre estivemos.