Revisitar You Forgot it in People será sempre um prazer, um regresso à adolescência, a um tempo de sonhos e descoberta do seu lugar no mundo.
Comecemos por situar quem poderá eventualmente nunca ter ouvido esta banda – originais de Toronto, liderados por Kevin Drew e Brendan Canning, e que começaram a carreira por música ambiente (Feel Good Lost, de 2001), evoluindo depois para um colectivo de artistas da cena indie da maior cidade do Canadá (onde se incluia por exemplo Feist, Emily Haines, Elizabeth Powell). Em concerto eram normalmente cerca de 10 elementos, podendo crescer até 20 se as condições o permitissem. Foi com base nesta experiência que surgiu You Forgot it in People, com Drew e Canning aos comandos e a participação de todos, no que podia ser um caos total mas passou como histeria contida e arrasadora.
Parece incrível a todos os níveis que se tenham passado dezassete anos desde o seu lançamento, mas no fundo, é um álbum que esteve sempre presente, sempre ali a ocupar espaço no imaginário sonoro que habita o meu cérebro. Ouvi-lo em 2019 continua a ser um prazer imenso, pela conjungação de momentos festivos com momentos angustiantes, de momentos de interação com o grupo que rodeia com momentos de solidão, de momentos adultos com momentos pueris. No fundo, tudo o que representa uma fase única da nossa vida, a transição adolescência-adulto, onde reina a incerteza e a certeza de que já se sabe tudo, a inquietude pessoal e sexual, o descobrir de um lugar no mundo.
Nas várias análises reinantes em pareceres de psicologia, a infância costuma aparecer como a fase da vida que é mais recordada por adultos, mais importante e marcante no caminho de cada pessoa, pelo que estou obviamente a atirar-me para fora de pé quando lanço a hipótese de que talvez esta fase 17-20 anos seja bem mais definidora. Ainda assim faço-o, mera opinião descomprometida, concorde quem quiser, discorde quem o entender. Num dos momentos mais altos do álbum, “Anthems for a Seventeen Year-Old”, a vontade de regressar a esse tempo entra pelo ouvinte adentro pela doce voz de Emily Haines, repetindo até à exaustão a vontade de “Park that car, drop that phone, sleep on the floor, dream about me”. Nostalgia pura e dura de um tempo em que responsabilidade nem vê-la.
E depois, há a sexualidade. Drew e seus comparsas atacam o tema sem complexos – “Lover´s Spit” é a amostra mais vincada disto mesmo, mas também em “Almost Crimes” e “I’m Still Your Fag” a questão sexual impera, sem papas na língua. Os títulos em si já são reveladores, mas atentem às letras, o manancial de badalhoquice que Drew nos atira é único e garantidamente controverso.
Sempre intercalados por brilhantes temas instrumentais – “Capture the Flag” para abrir, “Pacific Theme” e “Late Nineties Bedroom Rock for the Missionaries” a meio, “Pitter Patter Goes My Heart” para fechar – as músicas dos Broken Social Scene florescem a cada audição, tal é a riqueza dos detalhes que se encontram nelas. O facto de ter ao seu dispôr um colectivo de músicos em muito contribui, naturalmente, mas é na conjugação de todas as variáveis que está a magia que Drew e Canning fazem. “Cause = Time” é melhor prova que podemos ter disto mesmo, é o menu degustação do restaurante Broken Social Scene. Foi esta música que elevou um projecto entre amigos para uma banda que podia conquistar o mundo.
You Forgot it in People é de 2002, mas muito poucos o terão ouvido nesse ano, apenas em 2003 começou a captar maior atenção, tendo os Broken Social Scene usufruído e muito da rampa de lançamento arcadefireiana para chegarem aos escaparates nos EUA e Europa. Havia algumas semelhanças aparentes, nomeadamente no ponto de ser mais um colectivo que uma banda, dado o número de músicos que participam. Mas onde os Arcade Fire foram épicos, os Broken Social Scene começaram por ser introspectivos, sendo que no álbum seguinte, Broken Social Scene deram uma maior amostra desse lado (sobretudo com canções como “Shoreline (7/4)” e “It’s All Gonna Break”). A intensidade, essa encontra-se em ambas as bandas em igual medida. Basta ouvir com o devido carinho e atenção para se perceber isso mesmo.