“Right on time… Back by the beach… Still gonna bring the Heat”- é a voz distorcida que diz estas palavras que é responsável por estar, neste exato momento, a usar um fato de treino completo, verde, e um par de patins. Umas sirenes, lá ao fundo, puxam um beat fresco, com duas linhas de ritmo que com tempo se tornam em três, quatro. As vozes de Josh Lloyd-Watson e Tom McFarland aparecem quando o ritmo já estabilizou num “quase falsete” cheio de personalidade que sobe e desce acompanhado por tilintares que o polvilham com mais alguma subtileza… para lá das que já trazem de casa. Vamos deslizando num pavimento suave. Mãos e braços ondulam ao mesmo tempo que as pernas e os pés os imitam. O vitaminado instrumental transborda de estilo e bacanidão. Quer queiramos ou não já estamos a dançar, em pleno ringue imaginário, com o nosso vistoso fato de treino e patins a combinar. As também imaginárias luzes fazem a atmosfera que se cria na parte de dentro dos nossos olhos, que se conecta com os nossos ouvidos, reluzir. Um momento de alegria, boa música que nos deixa feliz. A dupla de produtores Britânicos Jungle, que lançaram o seu primeiro trabalho há poucos dias, são os responsáveis por este delírio, parte da sintomatologia típica da música com qualidade.
Chegaram de mansinho, como quem não quera a coisa, soltando primeiro “Platoon” cujo videoclip se tornou viral muito graças à fofinha b-girl que do alto dos seus seis anos de idade gozava com a cara daqueles que sempre desejaram saber dançar. Como um líquido que se entorna, este primeiro single foi encharcando-nos os ouvidos que já começavam a engelhar tal era o salero funky que se ouvia. Pouco tempo depois veio “The Heat”, segundo single e faixa de abertura do álbum que aqui se discute. De novo, uma mistura de disco, funk e eletrónica contagiante cimentava a posição singular que este grupo preparava para apresentar. Com uma base rítmica simples, intercalando várias vezes um orgânico baixo com um eletrónico zumbido entre outros efeitos espaciais muito subtis, o grupo cria o seu espaço, o seu género, cujo termo de comparação mais parecido que se pode encontrar seria, talvez, Jamiroquai. Mas melhor.
Estamos hoje no rescaldo deste lançamento e da sua estreia em Portugal (NOS Alive) e, depois de os ver ao vivo e de gastar o plástico do CD, tantas foram as audições, não podia ter mais a certeza de que este será um dos álbuns do ano.
Passeamos por vários mundos diferentes ao longo dos quase 40 minutos de bon vivant”ismo” urbano: De faixas mais dançantes, como “The Heat”, “Platoon”, ou “Time” passamos para uma ambiência mais sensual, transpirada, onde as vozes de falsete digital puxam pela vontade de tirar a cueca como em “Sun of a Gun” (casa de um teclado guloso que se faz acompanhar por uns laivos brandos de acordes de guitarra, também ela aguda) ou “Lemonade Lake”. Até há espaço, no meio de tanto fuzué dançante, para momentos de introspeção como na brilhante “Accelerate”, música para se ouvir a guiar, de vidros em baixo, na auto-estrada, com a boca a saber ao azedo característico de engolir sapos. Muito bom. Destaque também para uma epopeica “Busy Earnin’ e a sua irmã mais nova, aquela que é sempre mais introvertida e melancólica, “Drops”.
Estamos perante um álbum robusto, dono de uma sonoridade festiva. O encadeamento de músicas é a prova da coesão não só do disco em si, como do próprio género que puxa a Michael Jackson, Bee Gees e Earth Wind and Fire. Mais que tudo isto, é um som único, não há praticamente ninguém, na cena musical de hoje, a fazer coisas destas (não vale nomear aquele produtor de San Marino do Soundcloud, que só vocês conhecem e que faz isto muito melhor e há muito mais tempo). Muitas vezes se fala de coesão e, regra geral, tento evitar esse critério: é muito fácil confundir-se com “ser tudo igual”, mas neste caso não há dúvidas. Pode não ser visível logo à partida, mas depois de bem digerido, perceberam do que falo.
Por estas razões e outras que ainda possa vir a descobrir, aponto esta trupe para o pódio dos melhores de 2014… pelo menos até agora. No meu top estarão de certeza.
Acabo esta crítica, que escrevi enquanto patinava num soalho de madeira lustrosa, que brilha com a luz roxa, cor-de-rosa e vermelha que o percorre, dizendo apenas isto: oiçam que vale a pena.
Uma pequena nota para quem não os viu no Alive porque preferiu ver Libertines ou Daughter: Estudassem.