A receita é simples: sotaque portuense acérrimo, bigode farto e um smoking branco, somando-se ainda melodias que dificilmente não ficam na cabeça e letras sinceras que já estiveram na moda, deixaram de estar e que agora regressam em nome da nostalgia e do apreço pelo que a cultura portuguesa tem de mais valioso.
Duas cassetes misteriosas encontradas há 20 anos num edifício onde em tempos estivera a empresa musical Cipriano Costa foi tudo o que bastou para que o nome de José Pinhal voltasse a circular entre grupos de amigos e a ressoar nas festas portuguesas.
José Pinhal começou o seu percurso musical em bandas de garagem, algures nos arredores do Porto. Ganhou relevância em 1978, fazendo carreira nas festas de verão e nos “espectáculos da noite”, como o próprio lhes chamava. Este formato não é novo, mas são poucos os que ressuscitam e encontram sucesso junto de diferentes gerações.
A receita é simples: sotaque portuense acérrimo, bigode farto e um smoking branco de que Pinhal muito se orgulhava. À sua imagem de marca inatacável, somam-se melodias que dificilmente não ficam na cabeça e letras sinceras que já estiveram na moda, deixaram de estar e que agora regressam em nome da nostalgia e do apreço pelo que a cultura portuguesa tem de mais valioso. Vol. 1 é o primeiro dos três álbuns que se conhecem do cantautor e é onde se encontram algumas das suas músicas mais conhecidas presentemente.
Sofrer de amores e sobre isso escrever canções é comum, mas Pinhal parece saber fazê-lo de forma particularmente exímia. Com “Porém Não Posso”, transforma a tristeza da rejeição numa música para dançar e cantar em plenos pulmões, contando ainda com coros que aqui ocupam o espaço das guitarras que acompanham as restantes faixas do álbum. A música é sofrida, mas é autêntica. Não há espaço para grandes teatros, sabemo-lo. O mesmo acontece em “Tu És A Que Eu Quero (Tu Não Prendas o Cabelo)”, com uma letra perfeita e catchy, feita de rimas despretensiosas e sentimento sincero, onde estão presentes os sintetizadores e teclados que marcaram os anos 80. “Magia (Bola de Cristal Mentia)” apela ao pezinho de dança, com a sua guitarra marota (?) e se “Baby Meu Amorzinho” nos dá a conhecer um Pinhal roqueiro por breves instantes, rapidamente nos mostra um Pinhal das festas da terrinha assumido. Três das doze faixas são ainda cantadas em espanhol, mesmo que desprezando abertamente qualquer cuidado com a pronúncia correcta da língua.
José Pinhal beneficiou de uma confiança muito própria, que fica clara em, por exemplo, “Covarde”, e aliou-se às influências da indústria musical da época, como os fade outs clássicos ou as intros que fazem lembrar ABBA ao longe. Isto, sem nunca descartar a beleza da simplicidade, visível no seu uso recorrente de instrumentos como reco-recos ou castanholas.
Se há quarenta anos José Pinhal já se distinguia por apresentar um reportório diferente dos restantes artistas com quem se cruzava, hoje demarca-se por uma genuinidade muito acarinhada pelo público mais jovem, que tem vindo a celebrar a sua obra e a devolver-lhe, de forma crescente, a vitalidade tragicamente perdida. A sua música grita 80s, mas em vez de datada, é, aos olhos de hoje, preciosamente pirosa.
José Pinhal era rosto familiar nas noites nortenhas e chegou a cantar no Palácio de Cristal. Não viveu para actuar no Coliseu dos Recreios, como sonhava, mas as suas canções sobreviveram para preencherem cartazes de festivais de verão, à boleia de José Pinhal Post Mortem Experience, a banda tributo que nasceu em 2015 para que todos tivéssemos o prazer de assistir a um espectáculo assim ao vivo. O seu nome também chega a cada vez mais pessoas graças ao documentário que estreou no IndieLisboa em 2020, de Dinis Leal Machado, A Vida Dura Muito Pouco – Celebrando a Obra de José Pinhal, disponível na Filmin. Por ora, aguardamos pacientemente uma reedição da obra, que já está em planos.